Vai viajar para o Ceará? Praia, né? Simples, finalmente, esse é o estado com um dos litorais mais lindos do Brasil. Mas e se eu te convocar para visitar Fortaleza para ver, hum, arte contemporânea?
Surpresa? Imagine a minha quando, numa visitante à capital no final de abril, uma colega de TV me perguntou com aquele sotaque maravilhoso: “Mar, menino, você já foi à Pinacoteca?” (o “mar” aí é uma vez que os próprios cearenses brincam com o jeito que eles falam “mas”).
O invitação para visitar a novíssima Pinacoteca do Ceará me pareceu bastante inusitado. Porquê eu não sabia que Fortaleza tinha um espaço desses, inaugurado em dezembro de 2022?
Ocorre que, admito cá minha culpa, essa não é a primeira associação que a gente faz quando pensa na capital cearense. Sim, o glorioso Dragão do Mar, já há anos, é um farol de cultura na cidade. Sim, galerias uma vez que a Multiarte e a de Leonardo Leal sempre foram fortes referências nessa dimensão.
Mas por um cacoete de turista, nós viajantes temos uma certa dificuldade em redefinir as características de certos destinos, cidades, ainda mais daqueles que amamos. Por isso fiquei tão feliz em “desenredar” essa Pinacoteca.
Quatro exposições lá me esperavam. Primeiro vi uma coletiva chamada “Negros da Piscina”.
Criada para o Fotofestival Solar, outra iniciativa de arte que talvez te surpreenda, ela traz um Brasil que, segundo o texto de apresentação, ainda não existe: “uma paisagem social e afetiva em que corpos pretos, indígenas e travestis, entre outros vários também negros, possam ter recta a trabalho e a sota”.
A surrada sentença “choque cultural” é até tímida para descrever o que vi. E era só o primícias. As outras três exposições são reunidas sob o título “Bonito pra Chover”, uma deliciosa e poética sentença lugar para descrever um firmamento sobrecarregado.
Dentro disso, é verosímil revisitar trabalhos que evocam até uma redescoberta de dois mestres: Antonio Bandeira e Aldemir Martins, expostos em duas galerias cuidadosamente montadas. Mas é no pavilhão 2 que essa novidade arte cearense explode.
Os curadores Lucas Dilacerda, Cecilia Bedê e Herbert Rolim reuniram em “Se Arar” mais de 130 artistas que jogaram na rosto desse visitante enamorado pelo Ceará a pergunta: uma vez que você nunca ouviu falar da gente?
Simples que a mostra inclui Leonilson, num inesperado esboço feito com lâmpadas coloridas, além do sempre mágico Chico da Silva. Mas são os novos nomes que vão te levar a uma outra dimensão.
As duas artistas incríveis do Terroristas del Paixão, com seus painéis gigantes. Os sacos de algodão bordados por Rafael Lima Verdejante. Os fragmentos de insetos nos slides de Thaís de Campos. As conversas pictóricas de Merremii Karão Jaguaribaras. A parede de mensagens que Aline Albuquerque (Agitprop) leva no corpo pelas ruas. Os paus de Marcos Martins que sugerem uma sustentação de tudo isso.
E um vídeo enlouquecido de uma trupe chamada Carnaval no Inferno!
Tudo isso, complementando no espaço de uma antiga estação ferroviária repensada brilhantemente pelo arquiteto português José Roble Araújo, acompanhada por Rian Fontenele, também arquiteto e diretor da Pinacoteca.
Minha cabeça saiu girando de lá. E querendo voltar. Pelas artes, sim, pelo estupendo prazer de encontrar uma cena tão vibrante, que vai sempre se renovar com novas vestígios.
Mas também pela alegria de lembrar que uma referência de turismo pode (e deve) ser plural. Por isso, programe-se para ir a Fortaleza e visitar a Pinacoteca do Ceará. E se puder dê um pulinho numa praia. Só para trocar um pouco as prioridades.
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