Hoje mesmo, chegando ao aeroporto Santos Dumont para voltar a São Paulo, uma mulher me parou para expressar que eu e Gloria Maria éramos sua maior inspiração. De novo.
Eu já tinha ouvido esse louvor ultrageneroso incontáveis vezes, mas desde sua triste despedida no último 2 de fevereiro eles se intensificaram. Consequentemente ampliando sua escassez, mas sobretudo renovando uma vontadezinha que você conhece muito…
Quando as pessoas me procuram para falar dessa inspiração que eu e Gloria somos, elas estão falando das viagens. E zero poderia me deixar mais orgulhoso.
Uma vez que trabalhamos juntos no “Fantástico”, sobretudo na primeira dez deste século, e uma vez que tínhamos a mesma paixão, viajar, essa associação no imaginário dos telespectadores era inevitável. Mas nossa conexão ia muito além dos passaportes.
Evidente que sempre brincávamos com a disputa sobre quem tinha divulgado mais lugares no mundo. De face quero expressar que Gloria é a campeã absoluta, mesmo falando do supino dos meus 114 países visitados. Mas essa não é toda a história.
O número correto de viagens que ela fez variou de obituário em obituário que li, mas é evidente que ultrapassa 150. Não, ela não tinha chegado a saber todas as 193 nações reconhecidas atualmente pela ONU —quando eu queria “tirá-la do sério”, eu perguntava, brincando: “Mas a Tuvalu, Gloria… você já foi?”.
Esse micropaís que visitei em 2003 estava fora da lista dela, disso eu tinha certeza. Mesmo assim, ela me respondia desafiadora: “Eu tenho quase certeza de que sim”. Tudo terminava em risadas.
Gloria, tanto quanto acompanhei, também não conhecia outros cantos pouco visitados deste nosso planeta: Tonga (aonde fui em 1999), Bangladesh (2010), São Tomé e Príncipe (1998). Mas a lista de lugares incríveis onde ela tinha pisado e eu não é muito mais longa.
Nigéria, Irã, Rússia, Jamaica… Em cada graduação, Gloria emprestava seu carisma e oferecia aos telespectadores não exclusivamente um cartão-postal, mas uma experiência. Eu já era viajante por conta própria antes de entrar para a TV Mundo. Mas não posso negar que a maneira uma vez que ela conduzia suas reportagens abriu caminhos para que eu criasse meu estilo de reportar.
E muitas vezes até também ela me inspirava. Por exemplo, eu nunca tinha ido à Tailândia antes de ela fazer uma série coloridíssima sobre esse país para o “Fantástico”. E mesmo a Índia, que eu conheço tão muito, pelas matérias de Gloria parecia para mim um outro país.
Fosse vestindo saris luxuosíssimos, numa pesca ritual em Lagos, fugindo de um urso no Canadá ou passando perrengue na Transiberiana, Gloria era a dona do pedaço onde chegava.
E, fora a amizade, é disso que sinto mais falta com sua morte: seu jeito de ir por aí. Um bom conforto é saber que ela plantou essa semente. Já viu o Instagram da Nataly Gabrielly, @viajesemlimites? Pois…
Ela é uma jovem de 27 anos, da zona leste de São Paulo, que está dando sua volta ao mundo. Quer ser a primeira mulher negra brasileira a saber todos os países. E adivinhação quem é a inspiração dela?
Escrevi cá na própria Folha, quando Gloria morreu, que eu tinha perdido uma rival. Mas acho que faltou esclarecer que nossa disputa não era por carimbos no passaporte.
Era para ver quem tinha mais lazeira de mundo. Porque a coisa mais preciosa que você pode levar numa viagem é a sua curiosidade. E isso Gloria Maria tinha de sobra.
Por isso dou cá minha vocábulo: a cada novo país que chegar, eu sempre vou lembrar dessa minha “concorrente” com um carinho enorme. Oxalá eu possa fazer isso 79 vezes até o término da minha vida!
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