Há séculos, peregrinos hindus vêm a Varanasi para morrer, acreditando que isso trará salvação. Mas ao caminhar sem rumo, o plumitivo Pico Iyer percebe que esta cidade da morte na verdade é uma cidade da alegria.
Leia inferior o seu relato.
Havia fogueiras, seis, sete delas, erguendo-se em meio à névoa do inverno. Grupos de homens, lenços enrolados na cabeça, olhos brilhando na meia-luz, estavam reunidos, descalços, ao volta das chamas, aproximando-se. Uma figura quase nua com dreadlocks emaranhados e empoeirados até a cintura cutucava uma cabeça carbonizada com uma vara de bambu. Ouviam-se cânticos ao longe, sinos sacudindo, batuques furiosos, e na trevas infernal do lusco-fusco do Ano-Novo, não consegui enobrecer quase zero além de labaredas alaranjadas, ao longe, à beirada do rio.
Quanto disso eu estava imaginando? Quanto era efeito de um “fascínio do estrangeiro”, ou resultado de jet lag e deslocamento? Pessoas vieram em minha direção saindo da névoa, cobertas de cinzas da cabeça aos pés, portando o tridente de três pontas do deus patrono da cidade sagrada, Shiva, o vândalo.
Ao passar pelos pequenos becos detrás das chamas, cheguei a um labirinto de ruas estreitas, nas quais uma vela já gasta ardia na trevas de uma caverna com pavimento de terreno. Um menino estava sentado no pavimento, detrás de uma balança.
As vacas avançavam incessantemente pela parque entupida e salpicada de esterco. De vez em quando, outro grupo de cantores passava, carregando um corpo morto sob uma sudário dourada em uma maca de bambu, em direção ao rio. Apertei-me contra a parede e senti um sussurro da mortalidade.
Eu tateei meu caminho através da trevas totalidade, no labirinto de passagens estreitas, e outro morto apareceu, duas mulheres em seus melhores saris de seda, caminhando descalças pela vasa macia em direção às águas sagradas. Segui minha percepção pelas ruas escuras, passando por pequenas velas tremeluzindo em santuários e aberturas onde homens sussurravam sílabas sagradas.
Logo, virando uma esquina, cheguei a um intercepção e três homens pararam diante de mim, armas visíveis em suas costas.
Era estranho pensar que, somente 72 horas antes, eu estivera do outro lado do mundo, comemorando um tranquilo ano novo sob o sol. Agora havia cabras com marcas vermelhas em suas testas trotando por aí, brasas queimando e lamparinas flutuando pelo rio na névoa. Ao longo das paredes havia rostos pintados de laranja, deuses macacos risonhos, falos sagrados agigantados.
Lojas por todos os lados vendiam pasta de sândalo e óleo de manteiga clarificada para ungir os corpos dos mortos, e pequenas urnas de barro para as cinzas.
A cidade da morte já foi conhecida porquê Kash”, ou Cidade da Luz. O plumitivo inglês Richard Lannoy, que quase perdeu sua espírito para Varanasi, chamou-a de Cidade das Trevas e dos Sonhos. Em um livro longo e muitas vezes alucinatório, ele citou o superintendente-chefe da polícia do que antes era chamado de Benares, descrevendo “o rapto de mulheres dos templos, a prostituição em nome de Deus, a prevalência do roubo na cena dos peregrinos, os costumes canibais dos Aghoris, as orgias bêbadas de tântricos falsos”.
No entanto, o que mais me surpreendeu quando comecei a marchar por suas ruas foi que a cidade da morte era, sem incerteza, uma cidade de alegria. As pessoas que passavam apressadas por mim em direção às piras ardentes, levando cadáveres em direção ao rio sagrado, erguiam suas vozes em louvor e em um grande e avassalador grito de congratulação.
A Índia urbana é uma mergulho em intensidade em todos os lugares – uma espécie de terapia de choque – mas a cidade sagrada habita uma categoria própria. O tráfico convergia em cada centímetro da estrada de todas as direções, mas, leal ao seu desprezo místico pela razão, o lugar não possuía semáforos. Cá e ali, um policial idoso com uma máscara cobrindo a boca estendia um braço esperançoso, enquanto carros, vacas, bicicletas, caminhões passavam por ele imprudentemente. Cachorros dormiam no meio de uma rua movimentada – a Quinta Avenida de Varanasi, imaginei – e homens estavam estendidos (dormindo, eu esperava) ao longo da lateral e na passeio. Uma turba havia se reunido no meio da rua em torno de um varão que dançava, girando espadas.
Eu sabia que as águas sagradas deveriam ser minha primeira paragem, portanto deixei minhas malas em um hotel e peguei um coche para ir em direção aos ghats (escadas que dão aproximação ao rio Ganges). No decurso do passeio de 20 minutos, passamos por duas jubilosas procissões de cadáveres, dois desfiles de crianças.
“Oriente é um momento muito desfavorável”, um jovem lugar virou-se do banco do motorista para me avisar (detrás dele eu podia ver somente uma volume de corpos e veículos furiosos, mas sem proceder, buzinando). “Labareda-se Kharmas. Todo mundo fica escondido nessa quadra; ninguém fala sobre casamentos, coisas assim. Todo mundo fica em silêncio. É porquê uma maldição lançada sobre a cidade.”
Se isso era Varanasi em sua forma mais silenciosa, pensei, quase incapaz de ouvi-lo quando um trem também passou trovejando em uma ponte de tijolos supra de nós, não poderia imaginá-la em um de seus frequentes dias de festival. “A maldição termina em 14 de janeiro”, meu novo colega me disse. “Logo nós comemoramos.” Isso não era motivo de comemoração para alguém que deveria, porquê eu, partir em 13 de janeiro.
Descemos em uma igreja cristã e nos juntamos ao amontoado de corpos sendo levados em direção ao rio sagrado. As placas ao longo da estrada falavam de “o mais macróbio meio de aulas de ábaco” e “gloriosas damas costureiras”, me fazendo pensar se a glória estava com as damas ou com a costura. “Escola Britânica para Línguas agora é Trounce Education”, li em outra placa — um resumo engraçado do término do Poderio.
Em Varanasi, meio milhão de pessoas são espremidas na trevas de um quilômetro quadrilátero de vielas conhecidas porquê Cidade Velha. O resultado é que alguns visitantes estrangeiros mais ou menos desistem, enquanto outros se perguntam se alguém colocou uma substância alucinógena em sua bebida.
“Tudo está sempre mudando cá”, anunciou meu guia quando chegamos à margem do rio, onde homens santos estavam sentados sob guarda-sóis coloridos no pavimento, cantando e passando pasta e cinzas na testa. “Cores diferentes. Espírito dissemelhante. Vontade dissemelhante. Você tem que estar em alerta sumo quando vem à minha cidade.”
Isso eu já tinha percebido.
Começamos a caminhar ao longo do rio, desviando de lixo e excrementos por todos os lados, e passamos por um varão quase nu, olhando para nós, protegido por uma pequena fogueira dentro de uma palhoça.
“Ele está meditando?”, perguntei.
“Tudo para ele são cinzas”, foi a resposta. “Esses sadhus gostam muito de viver com a cremação. Eles não usam roupas porquê nós. Eles não fazem zero porquê as pessoas que vivem no mundo material. Eles querem viver em um mundo de cinzas.”
Um pouco mais inferior, quase esbarramos em um varão de túnica e turbante azul lustroso que falava o que pareciam ser piadas, porquê se estivesse batendo papo na barbearia de bairro (apesar de que, cá em Varanasi, a barbearia de bairro — porquê o cemitério, a igreja e o zoológico — ficava na rua, ocasião a todos).
“Rabi de yoga risonho”, explicou meu guia, e ele próprio caiu na gargalhada, porquê se fosse abruptamente impelido por uma iluminação repentina.
Uma vaca enorme e inchada passou flutuando lentamente. Subimos cambaleantes em um pequeno embarcação que balançava, enquanto, na praia, um punhado de belos rapazes em elaboradas pantalonas douradas seguravam lamparinas a óleo com cinco chamas e começavam a praticar a purificação pelo queimada que eles realizariam ritualmente naquela noite. Outras embarcações levavam peregrinos para a outra margem escura, um banco de areia extenso e vazio, pelo que pude perceber. Fogueiras ardiam ao setentrião e ao sul, e o ar estava onusto com o cheiro de cravos-amarelos e fogueiras de carvão.
“Só nesta cidade, senhor, o senhor vê cremação 24 horas”, afirmou o barqueiro, porquê se falasse de uma loja de conveniência. Em outras cidades, os crematórios são tradicionalmente colocados fora dos portões da cidade, ao sul. Cá, eles queimam no meio de toda a vida.
Voltei ao meu hotel para sorver tudo. “Tudo está em fluxo”, meu jovem Virgílio (o guia de Dante no livro A Divina Comédia) me disse enquanto caminhávamos ao longo do rio. “Tudo é uma sucessão jacente de porvires. Zero permanece o mesmo.”
Oriente texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxexp1mgzldo
*Pico Iyer é responsável de diversos livros sobre viagens. Oriente relato foi ajustado de seu livro mais recente, The Half Known Life (a vida meio conhecida, em tradução livre), ainda sem edição em português.