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Uma visita a Paris em dias de chuva – 06/12/2023 – Zeca Camargo

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Nunca tinha estado lá num dia tão mal-parecido. Aliás, nunca tinha estado em nenhum outro lugar num dia tão mal-parecido.

Sim, teve uma vez em Miami, quando fui para entrevistar o Green Day, que fiquei recluso no hotel com a orquestra, nos protegendo de um furacão. E uma tempestade tropical numa visitante a Bali também foi puxado.


Mas eu estou falando de um daqueles dias de chuva quase intermitente, um nível supra da garoa, que quando dá uma pausa, tudo que se vê no firmamento são tons de chumbo. Cinza não, chumbo.

O guarda-chuva infelizmente não é unicamente uma opção e me vi obrigado a gozar meu dia livre na cidade, que, diga-se, eu conheço muito muito, na companhia desse indesejado objeto. Sim, que nos projete, mas que não é bem-vindo em lugar qualquer.


Nos museus (e eu tinha planejado ir a dois deles), ele não passa da porta. Nas lojas, são sempre uma prenúncio de esbarrar em alguma coisa e quebrar. E mesmo nos momentos de estiagem, o guarda-chuva é um zero glamuroso apêndice.

Saí cedo para passear e, com a visão limitada da minha cúpula portátil, comecei olhando as vitrines. Ainda estavam fechadas mas, já enfeitadas para o Natal, elas eram um conforto visual naquela manhã carregada de nuvens.

Atravessei uma das praças mais bonitas do mundo, a mais antiga da cidade, mirando não nas lindas fachadas harmônicas do século 18, mas seus canteiros. À margem do rio principal da cidade, vi a chuva do firmamento encontrando a correnteza.

No primeiro museu, uma trégua da umidade, se muito que minhas meias encharcadas não me deixavam olvidar que, depois de contemplar aquelas obras de arte, eu voltaria a me molhar. Pelo menos até o museu seguinte.

Comi num restaurante de bairro, Chez Nenesse, aonde sempre vou, e dei pela falta da sua dona. Pensei em perguntar para o rebento se ela estava muito, mas imaginei que a chuva a tivesse feito desistir de transpor de mansão. Nem por isso o filé com fritas estava menos que impecável.


Tinha logo uma hora livre para algumas compras. Dois livros e dois perfumes que queria, mais um presente para minha mãe (dois, na verdade), que resultaram em sacolas pequenas, mas não impermeáveis.

Fui com elas respingando, tanto quanto o guarda-chuvas, até um ponto localizado em uma das avenidas que saem de um grande roda. De lá, uma van apertada me levou para ver uma retrospectiva histórica de um pintor definitivo do século 20, Mark Rothko.

Tudo que eu tinha nas mãos, porquê você pode imaginar, ficou na guarda-volumes logo na recepção e logo, por quase uma hora, tive a sensação de flutuar —a vibração das cores nas telas, sem incerteza, contribuindo para isso.


Saí e já estava escuro. Peguei o metrô, traço 1, meu guarda-chuvas esbarrando com outros no vagão disputado. Desci na estação onde o fantasma de uma prisão de séculos detrás hoje é espantado por um querubim dourado em cima de uma pilastra altíssima.

Ele está todo iluminado, sua claridade ampliada pela enorme tela de led anunciando a ópera “Turandot”, de Puccini, dirigida por Robert Wilson, que vou ver no dia seguinte. Será que ainda dá tempo de ir a uma livraria na rue Bretagne?

Decido andejar até ela sem pressa, equilibrando o crepe de queijo que comprei ali na rua, equilibrando a comida na mão do mesmo braço que carrega o guarda-chuva —a essa profundidade, totalmente inútil.

Estou de costas para o querubim, mas de repente vejo seu revérbero numa poça d’chuva e sou tomado por uma tal sensação de formosura, que me dou conta enfim que estou numa cidade que é, digamos, à prova de chuvas.

Zero, nem mesmo um dia mal-parecido porquê esse, é capaz de fazer com que você deixe de amar Paris.


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