A pilastra começa numa estação ferroviária e é uma homenagem descarada a uma pequena obra-prima que talvez você reconheça. O trem que chega não apita nem tem pistão. Tampouco solta fumaça, mas uma outra nuvem, a da memória, esconde a localização desse primeiro parágrafo.
Digamos que estou no Japão, indo para uma ilhéu onde serei recebido por uma jerimum gigante. Não, não estou num figura de Hayao Miyazaki, mas num cenário de arte e tranquilidade. E do topo de um círculo talvez perfeito de Tadai Ando, me transporto para outro espaço circundar, agora circunvalado de cavalos.
Nessa cidade na Toscana, acompanho uma corrida medieval e fico tonto de ver tantas voltas em volta de tanta gente. Saio por torres altas e ruas estreitas e sinuosas e chego inesperadamente a uma praia adormecida em Zanzibar.
Você leu uns três parágrafos e já começa a se gostar pela viagem. Em certa profundidade, observa: “Mas levante fado, parece que o conheço. Creio que já fui até lá”. E por que não? Se não com um timbre no passaporte, ao menos uma vez que um sonho desperto. Você olha comigo para esse horizonte índico, neste esquina da África, e seguimos juntos para um palácio no Rajastão.
Suas paredes são rosa uma vez que os flamingos da Flórida, seus contornos, rebuscados uma vez que os do Alhambra. O sol entra por transparências furtivas uma vez que nos domos de uma sauna antiga em Sultanahmet e você, relaxado pelo calor, agora está no pavimento de banhos russos em pleno East Village, em Manhattan.
De lá para um outro vagão, levante no metrô, que te deixa na confusa estação de Earl’s Court, ainda mais confusa nos anos 80, quando controladores de mesocarpo e osso conferem se seu bilhete servia para descer ali. Na incerteza, seguimos na traço de Picadilly até King’s Cross para já pegar o Eurostar para Paris.
Ainda está comigo, não está? Logo agora você está sentado à mesa de um moca, esperando Jean-Jacques e lendo o romance de Édouard Louis, que lhe foi emprestado por madame Bezier. Seu espírito está simultaneamente ocupado por duas esperas: a próxima leitura e paragem. Que parece ser no interno de Minas.
Estamos quase sozinhos no meio de uma madrugada fria numa calçadas de pedras erráticas e escorregadias. A única luz é a de um lampião distante, mas quando você chega lá percebe que está dentro de um túnel escuro, rodeado de milénio Budas. E que a chuva que você escuta percorrer é do rio Mekong.
Uma moto vem te resgatar a tempo para que você veja a Lua refletida num dos espelho d’chuva de Angkor e antes que você termine seu martini ali mesmo na garupa, já é de manhã e você comtempla um tela de azulejos de Athos Bulcão na capital que ainda não sabe ser capital.
Numa espreguiçadeira, no terraço de um chalé, no fundo de um vale, há uma mulher que lê. Já estamos no capítulo 8 do livro de Calvino, num trecho do quotidiano de Silas Flannery, mas longe de chegar ao final da viagem.
Ainda quero ir para uma corredeira no Chile; para uma jangada em Maceió; para uma banheira em Maldivas e um chuveiro na Namíbia; quero ingerir Explosivo Epístola em Súcia, manducar um “cha ca la vong” em Hanói, deitar numa rede em Flexeiras, dormir na ponte de uma ilhéu dos quais nome nem perguntei em Belize.
Agora porém estamos talvez exaustos e, deitado sob um tenda ao pé do Atlas marroquino, me sinto mais recompensado que culpado de ter te trazido comigo nesse roteiro inspirado pelo melhor livro de viagem que não é uma livro de viagem nunca escrito.
“Não está cansado de ler?”, você me pergunta. E eu: “Só mais um momento. Estou quase acabando ‘Se um Viajante numa Noite de Inverno’, de Italo Calvino”.
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