Santos, no litoral paulista, com suas praias turvas e os navios do porto passando no horizonte não é o que vem à mente quando imaginamos um tramontana idílico à litoral. Mas existe um patente charme na cidade, dos prédios modernistas da segunda metade do século 20 a uma cena gastronômica que se renova.
“Sentíamos falta de um bar de vinhos em Santos, um lugar fácil, simples, para ir saindo da praia”, diz Rafael Cursino, nome por trás do Merlô, Vinho & Bossa, bar que oferece taças de R$ 10 a R$ 39 numa lar da dez de 1920 numa rua fechada para carros no bairro do Gonzaga. Segundo ele, a variação de preços atrai um público que muda de perfil nos fins de semana, quando os locais deixam de ser maioria e o bar começa a encher de turistas.
O libido de retomar um turismo gastronômico que se perdeu nas últimas décadas parece motivar ainda o chef-celebridade Dario Costa, que saiu dos realities MasterChef e Rabi do Sabor para assinar o cardápio dos restaurantes Paru, dentro do Mercado do Peixe, na Ponta da Praia, e o Madê Cozinha, no bairro do Boqueirão.
Segundo Costa, o Paru, mais atingível que a outra lar, é uma espécie de “lanchonete de frutos do mar”, que serve camarão, lula e legumes empanados em farinha de grão de ponta num cone de papel acompanhados de molho tártaro (R$ 68) —a teoria é pegar e transpor comendo enquanto se faz compras pelo mercado.
O cliente também pode montar uma bandeja com frutos do mar feitos na churrasqueira —os destaques são o atum maturado (R$ 115), a lula (R$ 60) e o peixe do dia (R$ 60).
Esse peixe, aliás, é do dia mesmo, refletindo a variação sazonal de um único paquete pesqueiro que Costa tem uma vez que fornecedor. “Pargo e robalo não representam todos os peixes”, diz o chef, que valoriza espécies locais, algumas delas fora de tendência nos cardápios, tanto que sua peixaria, a Talho do Mar, dentro do Paru, estampa com orgulho na parede a frase “não temos salmão”.
Num bairro mais rico da cidade, já mirando a subida gastronomia, o Madê serve o xaréu amarelo, peixe de músculos arroxeada pouco usado em restaurantes. Ele aparece em pratos uma vez que um temaki, feito com cone de nori crocante, coalhada seca de wasabi e gengibre agridoce (R$ 44). O peixe de sabor possante é também o principal substância no prato com as chamadas escamas de banana —o filé é servido com molho de vinho branco com vôngoles, envolvido em lascas de banana da terreno e pupunha (R$ 108). É um meneio do chef à cultura caiçara.
Costa, que nasceu em Santos e hoje mora no Guarujá, cidade vizinha, reafirma suas origens e fez questão de incluir a releitura de clássicos populares uma vez que o sonho de panificação, que no Madê se transforma num sonho de polvo, feito com a tamanho do gula e recheio do molusco assado. A ingressão é servida com vinagrete de pimenta de cheiro e pimenta fermentada (R$ 40).
Há ainda o bacalhau cremoso, prestes na lar e servido sobre polenta frita com mandioca e ovas de peixe volátil (R$ 36).
O menu-degustação do Madê tem também uma releitura de bife Wellington com atum selado no lugar da músculos. O peixe é envolvido em cogumelos, folhas verdes e um bacon de atum feito no próprio restaurante, tudo servido com purê de pupunha e molho de catuaba. O jantar em dez etapas custa R$ 300 ou R$ 456 se vier harmonizado com vinhos de pequenos produtores do Sul do país.
A missiva de coquetéis, no entanto, não está à profundeza dos pratos, mas é um tanto que vem sendo repensado e será alterada pelos mixologistas Aline Araújo e Marcelo Malanconi, nomes por trás do Hideout, bar estilo speakeasy no bairro do Boqueirão. “Espera para ver o que a gente vai fazer no Madê”, diz Malanconi, com possante sotaque paulistano, enquanto serve uma taça de La Garde de Nuit (R$ 45), um hidromel feito na lar.
Malanconi, que se mudou da capital para o litoral há murado de quatro anos, decidiu perfurar o bar diante da escassez de ofertas na cidade. “A gente ia para São Paulo e encontrava gente de Santos no SubAstor [bar no bairro da Bela Vista, na capital paulista]. Indo para a lar dos meus pais [em Santos], vi esse lugar para alugar, e a gente decidiu perfurar o Hideout.”
Não à toa, o balcão do Hideout segue o mesmo escorço do bar paulistano, influência declarada de Malanconi. Os drinques feitos na lar, uma vez que aqueles de São Paulo, são ótimos —das releituras uma vez que o Wanna Be (R$ 45), um negroni em que o gim vira espuma sobre Campari e vermute, ao Coronation (R$ 55), feito com jerez e vermute sequioso. Levante último chega perfeito à mesa, sem estar diluído, na contramão de muitos bares da tendência na capital.
Além de coquetéis e pratos dominados por peixes, mariscos e crustáceos, é provável também manducar um bom bife com cerveja em Santos, no recém-inaugurado Parrilla Bom Beef.
“O oriundo seria trabalhar com peixe, mas venho de uma família de comerciantes e cresci nos açougues do meu tio”, diz Domingos dos Santos Neto, o influencer da músculos Netão Bom Beef, ao narrar que chegou a supervisionar os quatro açougues da família, um em São Vicente e três em Santos.
Netão virou uma personalidade da internet e sua imagem está literalmente estampada nas carnes e produtos que licencia em murado de 150 açougues e 70 hamburguerias franqueadas pelo país.
Em Santos, onde nasceu, ele abriu o primeiro e, até o momento, único restaurante de churrasco sob sua supervisão. Não há uma vez que ver defeito nas carnes da lar. A bisteca maturada (R$ 290) serve o namoro assado à tendência da lar —ao ponto para menos. O prato chega numa panela de ferro pelando com batatas. O chorizo de wagyu (R$ 290) é outro carro-chefe do restaurante.
Os laços familiares, dos santistas Dario Costa e Netão ao Hideout crédulo na esquina da lar dos pais, parecem guiar as novidades na cidade. “Todo mundo tem alguma pessoa em Santos, de alguma maneira acaba vindo ou visitando”, diz Victor Ladaga, que divide com o marido Vinícius Ferreira o comando da Revo Manufactory, um misto de restaurante e panificação artesanal na Ponta da Praia.
Ele abriu o negócio na garagem da lar dos pais. O par montou um brunch de sábado e domingo para amigos e amigos de amigos, até mudar e chegar ao endereço atual. A Revo, depois de uma vaquinha online, conseguiu fundos para ocupar um tradicional prédio de dois andares dos anos 1960 com a frontaria inteira cravejada de pastilhas da idade, que ganhou reforma do escritório paulistano Estúdio Memola. “Tudo que é original a gente nunca precisou trocar”, diz Ladaga.
A lar ficou famosa pelo brunch. No cardápio, há uma releitura de ovos beneditinos, cá substituindo o brioche por pão de cará, receita tradicional de Santos feita na panificação da própria Revo, com pato desfiado com tucupi preto, ovos pochê e molho hollandaise (R$ 69). O preposto de Ferreira é o burrito de café-da-manhã, feito com pão folha e recheado com queijo boursin, pasta de feijoeiro, ovos mexidos, músculos temperada, tomate assado e coentro (R$ 65).
As mimosas saem por R$ 25, o que facilita a vida e o bolso daqueles que se recusam a tomar só um drinque durante as refeições. Outro destaque da missiva de coquetéis, o Cajuzana (R$ 45), feito com jerez, cajuína, cordial de cambuci e limão, é bastante refrescante com uma ligeiro acidez. Se houver excesso nas bebidas, o milénio folhas da Revo (R$ 32) é um belo corretivo.
A confeitaria, aliás, também se transforma em Santos. Além da Revo, a cidade conta ainda com a Garni Lab, que, sob o comando da chef Beatriz Salles, faz um cardápio que muda semanalmente usando ingredientes da idade. Consumir um gula antes de ir embora pode sempre animar a voltar.
Merlô, Vinho & Bossa
R. Othon Feliciano, 10, Gonzaga, Santos, SP. Ter. a Sex., das 17h à 0h; Sáb., das 15h à 0h
Paru
Av. Gov. Mário Covas Júnior, 3050, Ponta da Praia, Santos, SP. Ter. a Sáb., das 9h às 18h; Dom., das 9h às 17h
Talho do Mar
Av. Gov. Mário Covas Júnior, 3050, Ponta da Praia, Santos, SP. Ter. a Dom., das 9h às 17h
Madê Cozinha
R. Minas Gerais, 93, Boqueirão, Santos, SP. Ter. a Qui.., das 12h às 22h30; Sex. a Sáb, das 12h às 23h; Dom., das 12h às 17h
Hideout
R. Bahia, 116, Gonzaga, Santos, SP. Ter. a Qui., das 19h à 0h; Sex. a Sáb, das 19h às 2h. Necessário Reservar
Revo Manufactory
Av. Dr. Epitácio Pessoa, 737, Ponta da Praia, Santos, SP. Seg. a Sex., das 12h às 23h; Sáb, das 10h às 23h; Dom., das 10h às 22h
Garni Lab
Av. Dr. Epitácio Pessoa, 737, Ponta da Praia, Santos, SP. Qua. a Sáb., das 13h às 19h