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Rios de cidades dão sinal da grandeza ou da miséria humana – 28/06/2023 – Josimar Melo

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Li emocionado notícia nesta Folha relatando a decisão de uma cidade de Rondônia de prometer direitos legais a um rio.

A Câmara Municipal de Guajará-Mirim definiu o rio Laje (na verdade, Komi-Memen), porquê “ente vivo e sujeito de direitos”, entre os quais o de “nutrir” e “ser nutrido”.

A proposta, relata o repórter João Gabriel, é de autoria do vereador Francisco Oro Waram (PSB), liderança da lugarejo Waram, que fica na região do rio, que desemboca, na fronteira da Bolívia, no rio Mamoré (que, por sua vez, forma o rio Madeira, afluente do Amazonas). Vale a pena ler a reportagem toda aqui.

Pelo que li, não é a primeira lei que defende trechos da natureza no Brasil; nem a primeira que defende um ente específico da natureza no mundo. A surpresa está em que justamente o Brasil, com sua estupenda rede hidrográfica (e o homicídio de rios com armas porquê esgoto das cidades ou mercúrio do mina ilícito), não esteja na vanguarda desta prática.

Já naveguei por rios silvestres, sou testemunha da manadeira de sossego, de formosura e de manjar, transporte e cultura que eles podem ser, numa relação equilibrada com os seres humanos. Mas lendo a notícia, me ocorre a tragédia de outros rios, menos idílicos –aqueles que, nos centros urbanos, foram perdendo a própria vida, e a vida com que poderiam nos regalar.

Quem vive e se movimenta em São Paulo constata que seus dois maiores rios, Tietê e Pinheiros, no lugar de majestosas dádivas aos seus cidadãos, são porquê duas grossas lágrimas de incivilidade rasgando nosso cotidiano.

É o que também me ocorre ao pensar no Recife cujos rios principais, os moribundos Beberibe e Capibaribe, já fizeram a cidade ser conhecida porquê a Veneza brasileira (sempre foi um excesso, mas ao menos fazia justa homenagem à sua formosura).

Entre as cidades que convivem com grandes rios, o cenário parece mais terrífico quando eles serpenteiam por dentro da malha urbana, que os contamina. No caso de Manaus e Belém –e também Buenos Aires, Montevidéu, entre tantas—, as cidades se debruçam sobre rios quase oceânicos, formando uma orla com horizontes a perder de vista. O transe é mais iminente nos casos que mencionei, ou de cidades porquê Porto Feliz (para falar de Brasil) ou ainda de Londres ou Paris.

Nestes casos europeus, também a barbárie se abateu sobre os rios. Mas a boa notícia é de que são exemplos de que alguma coisa ainda pode ser feito.

Nas duas cidades ao menos nunca se deixou de interagir com o rio, pelo menos porquê navegação —mas o descaso e a poluição ao longo dos séculos foram fatais. O inglês Tâmisa teve sua morte decretada em 1957: nenhuma vida existia mais ali. Mas com investimentos bilionários e certeiros, quando lá gravei um incidente de uma série para a National Geographic, em 2010, já havia algumas dezenas de espécies de peixes voltando a povoar seu leito. Hoje são mais de centena, e vão de cavalos-marinhos até tubarões.

Paris tenta ir no mesmo caminho. E tem até prazo: as Olimpíadas de 2024, quando deverá possuir prática de algumas modalidades aquáticas em pleno rio Sena. Ver gente naquelas águas, no trecho urbano, é alguma coisa inédito há exatos centena anos: desde 1923 é proibido nadar ali (por razão do trânsito de barcos e também pela poluição).

São Paulo há anos faz gastos bilionários na limpeza de seus rios, até hoje com resultados duvidosos. Mas há indícios de um lento progresso. Exemplos de Londres e Paris, que ressuscitaram as artérias que deveriam pulsar vivas em sua malha urbana, sempre nos dão uma ponta de esperança de que se imponha um pouco de grandeza onde há tempos reina a miséria do ser humano.


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