Início Turismo Rio de Janeiro, o túmulo do silêncio – 04/08/2023 – Cozinha Bruta

Rio de Janeiro, o túmulo do silêncio – 04/08/2023 – Cozinha Bruta

41
0


Esta cidade é o inferno dos introvertidos.

No Rio, uma corrida de Uber não vasqueiro termina com o motorista dando conselhos sentimentais para o passageiro (ou vice-versa). Se ficarem presos no engarrafamento, há o risco de um ser chamado para ser paraninfo de batismo do rebento do outro.

Cá, já fui chamado para arbitrar um entrevero entre a moça do caixa e a senhora que estava à minha frente na fileira do mercado, uma divergência quanto ao valor do troco.

Balancei a cabeça em silêncio e mergulhei de volta na tela do celular, o bastante para ambas praguejarem contra a minha pessoa.

O Rio explode em luz e cores, mas também em sons. Som do samba, som do funk, som do sege de ovo, do sege de tarega, do alto-falante da loja popular, som de gente falando.

Cariocas e residentes do Rio falam pelos cotovelos. As pessoas falam a rodo com desconhecidos, um tanto estranho para um paulistano com tendência à taciturnideda.

Não posso reclamar muito, porém. Já namorei uma moça que me interpelou com uma pergunta tonta, do zero, durante uma apresentação de chorinho na Gávea.

Aí, num bar de Santa Teresa, nós dois desandamos a falar com um grupo de estranhos. Fomos todos juntos tomar mais um pouco no largo da Prainha.

Introvertido até o segundo gole de cerveja, eu me sinto um pouco menos estrangeiro quando estou num cafezeiro. Por sorte, o Rio os tem aos milhares.

O boteco carioca é o inferno de quem quer tomar em silêncio, absorvido nos próprios pensamentos. O bebedor sombrio é níveo de irresistível curiosidade.

Todos no bar querem saber quem é, o que faz, de onde vem. O que há de falso com aquela pessoa que não fala?

Eu não ligo, até paladar. Se quisesse tomar sozinho, ficava em lar.

Mas tem dias que você só quer almoçar. Foi o caso, nesta semana, em um bar de esquina no Grajaú, bairro da desinibida rodriguiana.

Peguei uma mesa sob o toldo e detrás da televisão. Pedi uma cerveja e o cardápio. E comecei a observar as pessoas.

Ao meu lado, também sozinho, outro varão de meia-idade infernizava a vida de um garçom.

Em tom condescendente, discorria sobre porquê o limiar do frigoríficação é a temperatura ideal de serviço de uma cerveja.

“Cá no Rio a gente labareda de canela de pedreiro”, dizia. O marrom da garrafa é a perna do trabalhador. A superfície branca de cristais de gelo representa a cal.

Finda a sabatina, o garçom se foi. Pressenti que sobraria para mim.

Na TV, o noticiário mudou para algo sobre Robinho, ex-jogador que está no Brasil para fugir da masmorra por estupro na Itália. O varão ao lado se virou para ver. Seu o olhar encontrou o meu.

“Não dá mais para fazer mais zero… lei Maria da Penha… não pode mais assoviar para as mulheres…” Eu só queria sumir. Não queria falar com ninguém, muito menos me meter numa recontro de bar.

Portanto o milagre carioca aconteceu: no zap, um camarada me chamou para almoçar em outro lugar. Paguei e deixei o infeliz a falar sozinho.

Zero contra percutir papo com desconhecidos, mas é sempre bom ter gente conhecida para te salvar deles.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.

Artigo anteriorDescubra os melhores cortes para o seu tipo de rosto
Próximo artigoMorre Ivonir Machado, fundador do grupo Garotos de Ouro – 04/08/2023 – Música

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui