“São 3h55 e eu fui revistada no aeroporto de Salvador. Queria fazer perguntas: pessoas são escolhidas indiscriminadamente? Queria perguntar para as pessoas não-negras que viajam bastante e que me seguem quantas vezes foram paradas por revistas aleatórias? Queria perguntar para a Infraero, ou outros órgãos competentes, se essa revista aleatória não pode ser feita de maneira menos invasiva”, questiona, em sua rede social, a atriz Luana Xavier, que foi paragem no primícias desse ano em uma viagem da capital baiana para o Rio de Janeiro.
Na postagem, a atriz relata também que, ao passar pelo raio-x, ele começou a apitar muito cima. “Isso me deixa numa tensão, me dá um gatilho contra-senso. Tem que revistar o corpo inteiro. Ainda corre o risco de perder o voo, porque isso leva tempo. O funcionário te apalpa inteira. Você começa a descobrir que é uma criminosa, que oferece risco para a sociedade”. Ela lembra, ainda, que a revista passou a mão por suas guias religiosas. “Não é a primeira, nem a segunda vez. O que me incomoda é a forma. Meu incômodo é qual orientação que os funcionários recebem e a forma porquê essa escolha aleatória é feita”.
A dor de Luana ao ser revistada não é unicamente dela, mas de toda a população negra que carrega as dores ancestrais de terem tido seus maiores criminalizados por andejar juntos, por formar quilombos e, que ainda hoje, são revistados indiscriminadamente pela polícia. Quantas vezes eu já tive que colocar as mãos para o cima e penetrar as pernas para mais uma revista “de rotina” feita pela polícia na região periférica em que vivia em Campo Grande (MS)?
Dias depois do relato da atriz, foi a minha vez de passar por uma revista aleatória no mesmo aeroporto. Questionei a funcionária sobre a urgência, indiquei que aquele procedimento era segmento do racismo estrutural e passei pelo mesmo que Luana: a raiva, o autoquestionamento de “será que tem alguma coisa inverídico comigo?”, a revolta. Fiquei tão estonteado que fui para o portão de embarque inverídico e quase perdi o voo.
Provoquei a SSA Bahia Airport, concessionária do aeroporto de Salvador, e fui saber os bastidores de porquê funciona a revista aleatória. A Solução 515/2019 da Filial Pátrio de Aviação Social (Anac) orienta os aeroportos a realizar o procedimento. A empresa afirma que é a máquina quem escolhe aleatória e randomicamente quem vai ser revistado, e que, por exemplo, duas pessoas na sequência podem ser paradas.
O número de pessoas revistadas, ou seja, se são uma ou duas a cada 100 passageiros, por exemplo, não é revelado por questões de segurança. O que também me impediu de ver a máquina “por trás” do raio-x, para entender se não havia um botão ali disparado por uma pessoa, uma de minhas dúvidas. As revistas aleatórias só ocorrem em alguns aeroportos e a lista também não é revelada por conta da proteção dos dados.
Quando foi paragem, Luana Xavier preferiu ser revistada numa salinha reservada – é verosímil fazer essa escolha e ser escoltado por uma testemunha – mas há juristas que sugerem ser melhor fazê-la em público, por conta de ter mais testemunhas e as câmeras do aeroporto. Ao contrário de abordagens policiais na rua, a administradora do aeroporto informa que não é permitido filmar os agentes do aeroporto fazendo a revista, o que motivo mais um estranhamento.
O Regulamento Brasílio de Aviação Social (RBAC 107) estabelece que o aeroporto não permita a visualização das atividades ligadas à inspeção de segurança. Também não é verosímil se recusar a passar pelo procedimento ou, se o fizer, estaria proibido de entrar no voo e a Polícia Federalista seria acionada para conduzir o passageiro para fora do aeroporto – não conheço ninguém que já tenha feito essa opção. Além dos toques no corpo, o monitoramento passa pela bagagem que é ocasião e vasculhada, sempre sob os olhares atentos dos outros passageiros, que parecem ter certeza de que alguma coisa inverídico vai transpor dali.
É muito difícil para alguém, porquê eu, que incentiva mais pessoas negras a viajar, grafar um texto porquê esse. Essas revistas parecem sinalizar, mais uma vez, que não querem nossos corpos nesse espaço. Minha tentativa, portanto, cá, é dar um quadro sobre esse tópico e contexto – e entender porquê tudo isso funciona e quais os procedimentos. Mas tenho uma certeza: as pessoas negras precisam ocupar cada vez mais os aeroportos para que nossas presenças deixem de ser questionadas.
E, para isso, nós, pessoas negras, temos algumas perguntas para os órgãos competentes: o raio-x não é o suficiente para a segurança do voo? Se há urgência de revistas porque todos os passageiros não passam por elas e, sim, somente alguns? Por que eu não posso filmar o procedimento? Por que a portaria que define tudo isso não fica visível nos aeroportos? E, por último, será que vocês entendem o gatilho que tudo isso provoca no povo preto? E, também por conta disso, vocês estão fazendo capacitações antirracistas para os funcionários que trabalham nos aeroportos?
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