Comecemos pela notícia boa. Boa, não: espetacular.
Janaína Torres (ex-Rueda), eleita a melhor chef do mundo, é cria do núcleo de São Paulo. Mora e trabalha na região, onde comanda três restaurantes, uma lanchonete e uma sorveteria.
Ela e o sócio Jefferson Rueda foram fundamentais para uma retomada parcial do núcleo, largado ao deus-dará desde que me conheço por gente.
Quando abriu o Bar da Dona Onça, em 2008, Janaina fez uma aposta arriscadíssima –são as que pagam mais, dada a enorme chance que o apostador tem de se estrepar. Ganhou e incentivou uma galera a fazer o mesmo.
Desde portanto, o prédio Copan virou hype. Partes da República e da Vila Buarque foram tomadas de restaurantes e bares cheios de gente cheirosa de conta bancária polpuda. As vizinhas Santa Cecília e Barra Fundíbulo tornaram-se polos de botecagem.
Parecia que o núcleo iria finalmente decolar, porquê ocorreu com áreas revitalizadas de várias cidades do mundo rico.
Decolou, mas foi voo de penosa. Os problemas crônicos do núcleo –má conservação, sujeira, falta de segurança– se agravaram. Transfixar um negócio por lá segue tão aventuroso quanto antes.
Você teria coragem de investir sua grana em um restaurante no núcleo de São Paulo? Eu, se tivesse (grana), não teria (coragem).
Não bastassem o espalhamento da cracolândia e a absoluta incompetência das autoridades em tornar a região habitável, vêm as companhias de luz e/ou de chuva atuar ativamente para o caos.
Num incidente que ainda carece de explicação plausível, a região sofre um colapso no fornecimento de robustez elétrica desde segunda-feira (18). Na tarde de sexta (22), o problema ainda não havia sido resolvido pela Enel.
A concessionária tratou de repuxar a bucha para a Sabesp. Disse que uma escavação da empresa de chuva rompeu a fiação subterrânea do núcleo; a Sabesp devolveu o pepino e disse que não tem zero a ver com a coisa.
No fritar dos ovos, ninguém assume o abacaxi. O prefeito demorou dois dias para soltar uma protocolar nota de repúdio. O governador está ocupado demais em Israel, bajulando o genocida Benjamin Netanyahu.
Enquanto isso, no núcleo da cidade, restaurantes e bares entubam um prejuízo gigantesco. Além dos dias sem poder furar, o estoque de perecíveis foi pro beleléu com as geladeiras desligadas.
Vitor Pires, do restaurante O Mirandês, em Santa Cecília, fez um longo e sentido vídeo protestando contra a situação. Lierson Mattenhauer Jr, do bar Xepa, na Vila Buarque, radicalizou totalidade.
Sem condições de trabalhar na cozinha, ele decidiu assar músculos numa churrasqueira montada na rua. Veio a tempestade e apagou sua brasa.
Vitor, Lierson, Janaína e vários outros –Rômulo, Thiago, Edu, Olivier, Julio, Pablo etc. etc.– resistem porque são apaixonados pelo núcleo. Ocorre que paixões morrem de cansaço.
Quando, cansados, todos forem embora, sobrará quem para extinguir a luz?
Não, espera. Esquece. A Enel já cuidou disso.
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