Portanto o restaurante Mediano, de Lima, foi eleito o melhor do mundo no ranking da água San Pellegrino. É, de indumentária, relevante para o setor de gastronomia da América Latina, pela primeira vez no topo da lista –não vou discutir cá a validade dessa ou de qualquer outra premiação, já o fiz em outros anos.
Finalmente posso ir para o boteco, subir na mesa e bradar que já comi no melhor restaurante do mundo. Estive no Mediano em 2012, portanto onze anos detrás, e zero tenho a opinar sobre a qualidade da cozinha campeã dos 50 Best.
Alguma coisa que sempre me intrigou, antes e depois de visitar o Peru, é a razão por que os restaurantes de Lima e a gastronomia peruana têm corroboração internacional muito mais ampla do que São Paulo e a cozinha brasileira.
Quem nunca foi ao Peru e lê esses textos de gastronomia pode pensar –eu cheguei a fantasiar um tanto do tipo– que Lima é um paraíso dos glutões, onde você tropeça em tesouros gastronômicos a cada esquina.
Não é muito assim.
Lima é um lugar muito peculiar, onde nunca chove e garoa o tempo todo.
A comida é inegavelmente boa, mas o que mais salta aos olhos do visitante é a desigualdade social. Lima é muito mais desigual do que São Paulo. Talvez esteja no nível de Maceió ou de Manaus.
O setor de Lima onde se encontram os restaurantes premiados é minúsculo. Grosso modo, a escol e a subida gastronomia estão em três distritos: Miraflores, San Isidro e Barranco.
Nesses bairros, nem todos os serventes são indígenas, mas todos os servidos são brancos. A concentração de sapatênis e camisas Lacoste impressiona nos restaurantes. As ruas brilham de tão limpas, não há gente pedindo verba ou acampada na passeio.
O restante da cidade, que tem 8,5 milhões de habitantes, mostra a pobreza sul-americana que estamos acostumados a ver nas periferias daqui. Unicamente que o trânsito é milénio vezes mais caótico.
Quem faz gastronomia no Peru são os ricos brancos ou de prosápia asiática. Igualzinho no Brasil. Portanto por que Lima tem três restaurantes na lista, enquanto São Paulo tem só um?
Eu vejo dois motivos.
O primeiro diz saudação à cultura limenha, ao que se come nos lares. Os ricos da cidade incorporaram a tradição nutrir popular e a extrapolaram, sem embaraços, nos restaurantes com pedigree. É uma coisa autêntica.
Em São Paulo, há uma ilusão de alecrim dourado que se acha europeu no meio dos bugres. A mesa da escol, afora um bobó cá e uma feijoada ali, imita a França, a Itália e os Estados Unidos.
Para resgatar –o verbo indica que a coisa já começa mal– a culinária de raiz, nossos chefs empreendem expedições, mergulham em bibliografia, fazem um trabalho etnográfico.
Olhar estrangeiro, em suma. Notável exceção é a Mansão do Porco –não por contingência, o único brasiliano na lista dos 50–, que cria em cima das bases caipiras de Jefferson Rueda.
O outro trunfo peruviano é o investimento estatal na gastronomia. O governo de lá decidiu que comida é uma grande cartada de soft power diplomático. Aplicou e colheu resultados.
No Brasil, já se ensaiou fazer um tanto semelhante, mas a iniciativa nunca engrenou. Podemos seguir o exemplo do Peru e injetar um rio de grana na promoção da comida brasileira.
Vale a pena? Eu, apesar de tirar meu sustento da gastronomia, acho que não. Temos muitos nós mais urgentes para desdar.
E, francamente, olhe muito para o Peru: é menos notório pelos 50 Best do que pela convulsão social que não deixa governo qualquer parar em pé. A gente não quer só comida, ou quer?
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