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Por que a solidão virou preocupação de saúde do século 21 – 15/08/2023 – Equilíbrio e Saúde

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O jornal The Lancet, um dos periódicos científicos mais respeitados do mundo, anunciou em julho a geração de um comitê para estudar a solidão e o isolamento social.

Num editorial sobre o tema, os responsáveis pela publicação destacaram porquê esse incômodo ganhou protagonismo nos últimos anos —e se mostra cada vez mais porquê um fator negativo para a saúde do corpo e da mente.

“Conexões sociais empobrecidas são associadas a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, infecções, declínio cognitivo, depressão e impaciência”, listam os autores.

A teoria do comitê, que deve debutar a se debruçar sobre o tema em breve, está justamente em definir o que é a solidão, porquê ela pode ser identificada e quais são as principais formas de combatê-la, segundo as melhores evidências científicas disponíveis.

Mas essa é unicamente uma entre diversas iniciativas relacionadas ao tópico que foram anunciadas nos últimos anos. Os governos de Reino Unido e Japão, por exemplo, criaram “Ministérios da Solidão” em 2018 e 2021, respectivamente.

Já o médico Vivek Murthy, o atual US Surgeon General —uma das principais autoridades de saúde dos Estados Unidos—, declarou em maio deste ano que se sentir só equivale a fumar 15 cigarros ao dia em termos de prejuízos à saúde.

Mas por que a solidão ganhou tantos holofotes recentemente?

‘É impossível ser feliz sozinho’

Uma das principais dificuldades quando pensamos no impacto da solidão está em definir exatamente o que é esse incômodo.

“O sentimento de solidão é uma experiência individual. Não basta estar só, finalmente muitas pessoas que estão sozinhas não se sentem necessariamente solitárias. E, na contramão, tem gente que está no meio de outros indivíduos, mas isso não é garantia que elas se sintam conectadas”, reflete o psiquiatra Lucas Spanemberg, pesquisador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

“A solidão é uma sensação de desconexão, de não pertencimento a um grupo social, que traz implicações emocionais e comportamentais —e isso está relacionado a uma série de desfechos negativos do ponto de vista da saúde mental e física”, complementa ele.

Essa relação entre solidão e prejuízos ao corpo e à mente está muito documentada numa série de pesquisas.

Uma delas, feita em 2010 na Universidade Brigham Young, dos Estados Unidos, revelou que indivíduos com relações sociais fortes têm 50% mais chance de sobreviver por mais tempo em conferência àqueles que interagem menos com o meio onde vivem.

E a urgência de manter essa conexão está praticamente inscrita na origem de nossa espécie, porquê explica Spanemberg.

“Os seres humanos foram programados geneticamente para viver em sociedade e integrar grupos. Durante os primeiros anos de vida, somos muito frágeis e indefesos, portanto precisamos de um núcleo coeso capaz de proteger a prole”, diz o médico, que também atua no Hospital São Lucas, em Porto Feliz.

“E essa coesão social forma famílias, grupos, sociedades, países…”, lista ele.

O perito também labareda a atenção para um comitiva de centenas de indivíduos realizado pela Universidade Harvard, nos EUA, há 80 anos.

“Os autores desse levantamento observaram que o fator mais importante para sentir-se feliz no final da vida não era sucesso financeiro, tarefa dos sonhos, notabilidade ou quantia, mas, sim, coesão social”, diz Spanemberg.

“A grande variável associada à sensação de felicidade foi justamente ter relações importantes e significativas ao longo da vida”, completa ele.

‘Solidão é lava, que cobre tudo’

A enfermeira Juliana Teixeira Antunes, do Instituto Federalista do Setentrião de Minas Gerais, em Januária, destaca que durante muito tempo a solidão esteve relacionada aos mais velhos, porquê se fosse um fenômeno que ocorresse unicamente nessa tira etária.

De trajo, os idosos podem se sentir desconectados com maior frequência e geralmente apresentam mais dificuldade para se adequar e escoltar as novidades.

A morte de familiares e amigos da mesma geração deixa mais sozinho quem fica, explicam os profissionais de saúde ouvidos pela BBC News Brasil.

“Mas hoje nós identificamos a solidão em qualquer período da vida”, observa ela.

Durante o trabalho de mestrado, Antunes decidiu estudar porquê esse incômodo afeta os adolescentes brasileiros.

“Esse é um momento de vida caracterizado pelo convívio social, pela geração de vínculos e de relações”, caracteriza a pesquisadora. “Mas, infelizmente, hoje em dia a solidão afeta um número considerável de jovens.”

No levantamento, que usou inquéritos epidemiológicos nacionais de 2015, 15,5% dos adolescentes entrevistados relataram que se sentiam solitários “na maioria das vezes” ou “sempre”.

“Um dos fatores que parece contribuir para esse cenário é a violência familiar, as agressões e o autoritarismo dos pais”, lista Antunes.

“Por outro lado, a prevalência de solidão era baixa entre os jovens que relataram hábitos mais constantes, porquê fazer refeições em família com frequência, ou ter o suporte de pais que se preocupam e conversam com eles”, detalha ela.

‘A solidão é fera, a solidão devora’

Mas por que a solidão virou um tópico urgente de saúde pública nos últimos anos?

Para a psicóloga clínica Dorli Kamkhagi, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP), há vários fatores que contribuem para oriente cenário.

“Acabamos de trespassar de uma pandemia de Covid-19, em que havia a urgência de isolamento social, por exemplo”, contextualiza. “Mas agora não estamos mais na crise sanitária e, mesmo assim, algumas pessoas não querem mais frequentar lugares ou fazer encontros presenciais.”

“Mas é totalmente dissemelhante sentir o toque, ver as coisas, caminhar no parque…”, reflete ela.

Em outras palavras, a urgência de ficar em casa para evitar o coronavírus fez com que muitos encontrassem nesse envolvente uma zona de conforto, da qual não querem trespassar agora.

Antunes destaca que, aos poucos, a solidão gera outros sentimentos negativos.

“Com o passar do tempo, surge o terror, a angústia, o sofrimento…”, diz.

O editorial do The Lancet aponta que a solidão é “um resultado de porquê as sociedades e o mundo ao volta de nós estão organizados”.

Alguns autores chegam a reportar que muitas cidades são construídas com base em “ambientes solitarizantes”.

“Nosso envolvente físico, ditado pelo planejamento urbano, pode impedir a conexão social se não permitir interações e engajamento”, diz o texto.

Os autores ainda destacam outros ingredientes que contribuem para esse contexto.

“O uso de redes sociais, com as promessas de aproximar as pessoas, tem sido associado a um aumento da sensação de desconexão social”, lembram eles.

“Austeridade, pobreza, racismo e xenofobia também causam desigualdade e sentimentos de exclusão. As tendências sociais para o individualismo, em detrimento do coletivismo e do sentimento de pertencimento, elevam o risco de testar sentimentos de solidão.”

‘Agora é hora de trespassar da invólucro’

Mas será que é provável identificar a solidão e interferir antes que ela provoque prejuízos à saúde?

Para Kamkhagi, o duelo está em saber diferenciar solitude (estar só voluntariamente) e solidão.

“Reservar momentos para permanecer sozinho é importante e saudável”, diz a psicóloga.

“O problema é quando você fica o tempo todo desligado do resto do mundo e começa a desaprender os códigos e as condutas das relações sociais”, complementa ela.

“Na solidão, o isolamento não está mais a serviço de uma experiência de bem-estar, porquê uma leitura ou o contato com a natureza, mas passa a apresentar padrões prejudiciais, porquê permanecer unicamente em mansão, abusar de álcool e outras drogas e se desconectar do restante da vida”, concorda Spanemberg.

O psiquiatra acrescenta que a solidão geralmente acontece junto de descuidos com a própria saúde e a aspecto, perda de autocuidado e irritabilidade nos momentos em que é necessário ter contato com o outro.

Em alguns casos, a própria pessoa consegue identificar esses sinais de rebate —em outros, é necessário o auxílio de um familiar ou colega próximo, que pode observar padrões e prejuízos na vida da pessoa solitária.

Diagnosticado o problema, é provável lançar mão de algumas intervenções e cuidados que previnem a evolução de um isolamento social voluntário para alguma coisa ainda mais grave, porquê quadros de impaciência e depressão.

“Pode ser necessário realizar uma avaliação ou um comitiva psicológico ou psiquiátrico”, sugere Spanemberg.

Aos poucos, com o auxílio de um profissional de saúde, é provável retomar as atividades sociais e o vínculo com a comunidade.

“Podemos debutar vagarosamente, com uma jornada ligeiro no parque, ou o envio de uma mensagem a um colega para perguntar porquê ele está e expor que está com saudades”, exemplifica Kamkhagi.

“Essas pequenas atitudes permitem reabrir o campo dos relacionamentos e mourejar melhor com a solidão”, conclui a psicóloga.

O texto foi publicado originalmente aqui.

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