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Por que a Argentina vive crise econômica e alta inflação? – 10/06/2023 – Mercado

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Alguns arriscam proferir que o clima de profunda euforia que parou a Argentina na comemoração da Copa do Mundo, em dezembro pretérito, foi mais do que um consolação pelo longo hiato sem levantar a taça, e sim uma catarse coletiva que permitiu enfim olvidar os problemas.

Enfim, os argentinos vivem sua terceira grande crise em 40 anos de democracia, e não por coincidência: questões mal resolvidas no pretérito ajudam a explicar o déficit persistente, a subida dívida externa, a moeda sem credibilidade e a falta de dólares que fazem a inflação explodir.

Aquém, entenda por que o dinheiro derrete e a pobreza cresce na país que já foi mais rica que Alemanha, Itália e França. Veja também por que o país, que segue sendo o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, detrás de China e Estados Unidos, ainda não colapsou estando a alguns meses da eleição presidencial.

Por que a inflação não para de crescer na Argentina?

A face mais palpável da crise argentina é a inflação, que passa dos três dígitos desde fevereiro e faz os preços subirem quase toda semana. Ela é causada principalmente pela riqueza de pesos nas ruas: quanto mais oferta da moeda, menos ela vale, e isso fica visível nos bolos de notas que os argentinos e turistas precisam colocar no bolso todos os dias.

Mas por que há tanta moeda em circulação? O principal motivo assinalado por economistas é que a Argentina acumula déficits fiscais há mais de dez anos, ou seja, gasta mais do que arrecada. Grande segmento desses gastos corresponde a subsídios, porquê nas contas de luz, chuva e transportes, serviços muito baratos se comparados ao Brasil.

Para financiar suas despesas, o governo emite títulos públicos a serem vendidos no mercado financeiro (o que permite aspirar novamente esses pesos, controlando a inflação). Mas, num país sem credibilidade, a medida se tornou insuficiente, e o presidente peronista Alberto Fernández passou simplesmente a imprimir pesos, a ponto de contratar casas da moeda no Brasil e na Espanha.

Nos últimos 20 anos, a circulação de numerário cresceu num ritmo muito mais rápido que o PIB (Resultado Interno Bruto), e o resultado é uma rápida desvalorização da moeda. Se há um ano US$ 1 comprava murado de 200 pesos numa mansão de câmbio clandestina, hoje compra quase 500.

Diz-se clandestina porque, em 2019, o governo voltou a impor um limite de dólares que podem ser comprados por cada prateado (hoje em US$ 200 por mês) e a segurar o câmbio solene. O mercado do dólar paralelo, chamado de “blue”, portanto, cresceu. Na prática, é essa cotação que rege o dia a dia prateado.


Por que há vários tipos de dólares e sua compra é limitada?

A Argentina vive uma escassez histórica de dólares em seus cofres, principalmente pelas altas dívidas externas contraídas ao longo das suas diversas crises. O país tem hoje pouco mais de US$ 30 bilhões de reservas internacionais —para se ter teoria, o Brasil, por exemplo, tem mais de US$ 340 bilhões.

O que já era ruim ficou pior devido a diversos fatores recentes. Sem credibilidade para atrair investimentos estrangeiros, a país depende muito das exportações agropecuárias para que a moeda estrangeira entre, mas uma seca considerada sem precedentes atingiu a última safra de soja, milho e trigo, derrubando a produção.

Ou por outra, os exportadores relutam em vender seus estoques porque o dólar solene praticado nessas transações vale muito menos do que o paralelo, que determina os preços do seu cotidiano. Ou por outra, o governo impõe altos impostos sobre exportações para aumentar a arrecadação (o da soja, o resultado mais importante para o país, é de 33%).

Para estimulá-los a vender e promover a ingressão de dólares, o governo portanto tem criado cotações paralelas para cada setor, mais vantajosas do que a solene. Já são mais de 15. Em março, por exemplo, surgiu um novo dólar agro, portanto em vez de receber 200 pesos a cada equivalente em dólar vendido, o produtor recebe 300. Há também os dólares Coldplay, para shows internacionais, e Netflix, para streamings.

Por que o país precisa de suplente de dólares?

Primeiro, porque a falta de dólares dificulta as importações. Para amenizar o problema, recentemente a Argentina fechou um acordo com a China, para fazer transações em yuans, e tem negociado com o Brasil, para criar linhas de crédito para concordar empresas brasileiras que exportam ao vizinho.

Segundo, porque mais da metade das dívidas do país estão, justamente, em dólares. Essa dívida explodiu em 2018, quando, sem credibilidade para conseguir crédito estrangeiro, a gestão de Mauricio Macri fez o maior empréstimo da história do FMI (Fundo Monetário Internacional), que foi reformulado diversas vezes e totaliza US$ 45 bilhões.

Para honrar o pacto, a país precisa sovar uma série de metas que são checadas periodicamente, porquê reduzir os gastos, o déficit fiscal e a inflação, mas até agora não conseguiu executar muitas delas. Instalou-se, portanto, um cabo de guerra: de um lado, o governo quer que o fundo libere os recursos e estenda prazos de pagamento, de outro, o fundo pressiona o governo a lastrar as contas.

Para complicar, isso tudo acontece num envolvente econômico altamente politizado, à margem de uma eleição presidencial em outubro. Até lá, não deve ter reformas de choque, somente medidas paliativas (porquê, por exemplo, o frigoríficação de preços, que já chegou a ocasionar falta de produtos nas gôndolas) para segurar as pontas até que o novo presidente assuma.

Se não remunerar o FMI, o país pode dar adeus a qualquer financiamento internacional. Devido ao histórico de calotes, a Argentina já não consegue ser atrativa nem aumentando suas taxas de juros repetidamente. O peso perdeu credibilidade até internamente, por isso os argentinos economizam e pagam aluguel em dólares.


Qual é a relação da crise atual com as antigas?

A fraqueza do peso hoje é uma consequência das crises anteriores. Se a inflação atual supra de 100% é considerada altíssima, em 1989 ela ultrapassava os 3.000%, porquê efeito de altos endividamentos contraídos durante os governos ditatoriais no término dos anos 1970 e início dos anos 1980.

Enquanto o Brasil, que vivia um cenário parecido, criou o real e buscou fortalecê-lo nos últimos 30 anos, a Argentina percorreu o caminho inverso, atrelando sua moeda ao dólar. Em 1991, a chamada lei da convertibilidade fixou a paridade entre elas, ou seja, 1 peso passou a valer US$ 1.

No início, o projecto funcionou, fazendo a inflação desabar e o PIB crescer. Mas a longo prazo, para mantê-lo, era preciso ter reservas da moeda americana que não se sustentaram. Com crises na região e na Ásia, os produtos argentinos encareceram e os investidores foram embora. A solução foi se endividar mais, levando a outro colapso em 2001.

Com uma novidade poderoso desvalorização do peso, o governo decretou o frigoríficação das poupanças (o “corralito“) e limitou os saques nos bancos. Uma vaga de protestos tomou as ruas por três meses, o presidente Fernando De la Rúa renunciou, e o governo deu um calote bilionário nos credores. Até hoje, os argentinos têm pânico de velar numerário no banco, e os investidores não confiam no país.

A principal consequência é sempre o aumento da pobreza, que hoje voltou a atingir quase 40% da população, sendo 8% indigentes. Para amenizar os impactos da crise a essas pessoas, o governo gasta mais em auxílios e aposentadorias, alimentando a roda giratória da inflação.


Por que a Argentina ainda não colapsou?

Principalmente porque os salários e aposentadorias, no universal, aumentam junto com a inflação, com reajustes trimestrais ou quando se julga necessário —os mais prejudicados são os trabalhadores informais, cada vez mais volumosos. O desemprego fechou em 6,5% em 2022, menor do que no pré-pandemia e contra 9,5% no Brasil.

Isso, somado ao indumentária de que ninguém quer permanecer com seus pesos queimando nas mãos, faz o consumo e a economia girarem. O propagação do turismo também ajuda, já que é cada vez mais barato para vizinhos porquê Brasil e Chile e para europeus e americanos viajar ao país.

Analistas citam ainda um fator comportamental. Os argentinos já acham normal conviver com os preços subindo há décadas, portanto não se desesperam. A estrutura de proteção social criada em seguida a crise de 2001 e a poderoso vinculação do governo atual com sindicatos e movimentos sociais também contêm minimamente o caos social. Pelo menos até agora.

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