Viajar é se deixar perder por ruas e becos desconhecidos. Fica mais lítico quando você vai na percepção e tropeça num restaurante fantástico que apareceu no meio do caminho. Isto posto, um pouco de raciocínio ajuda muito. Porque cidades turísticas são cheias de armadilhas, veja muito, turísticas.
Vale para Londres, para Roma, Nova York, Lisboa, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Vale principalmente para Paris, que em ano de Olimpíada se torna a capital mundial das arapucas de turista. Paris é uma cidade perfeita para sovar perna. As áreas mais “passeáveis” estão quase todas na várzea do Sena e são, portanto, planas.
O inextricável de ruas estreitas que deságuam em bulevares dá uma dramaticidade único aos assombros da marcha –quando, do zero, surge na sua frente uma Notre Dame. Aí, quando você já está com o pé inchado, o estômago reclama. Você precisa manducar imediatamente.
É nesse momento que o viajante se torna uma vítima indefesa dos bistrôs caça-níqueis e do varão que vende crepes na rua. Dois tipos que devem ser evitados a qualquer dispêndio em Paris.
Os bistrôs malignos são aqueles com muitas mesas na lajedo, uma babel de idiomas falados pelos clientes, uma lista gigante de promoções numa placa do lado de fora e funcionários destacados para fisgar transeuntes incautos.
Não se identifica um bom bistrô só pela semblante, mas preste atenção nos indícios: eles costumam ser discretos e permanecer um pouco afastados, às vezes uma quadra somente, do fluxo turístico principal. Aposte nos restaurantes de cozinha regional francesa.
Cozinha bretã, normanda, alsaciana, borgonhesa. Quase sempre são casas tocadas por famílias vindas dessas regiões, que oferecem comida autêntica e caprichada.
Eu me dei muito muito em um restaurante chamado Les Fabricants, no 11º arrondissement, mais ou menos perto do cemitério Père-Lachaise. É um lugar especializado na culinária do sudoeste francesismo, onde a carne de pato reina.
Mesas sem toalha, vinho da vivenda na taça de vidro e o serviço feito somente por duas mulheres que, apesar da correria, conseguem ser simpáticas. Um cassoulet fenomenal, de feijão-branco com coxa de pato, linguiça de alho e bacon, saiu por 19 euros –preço fabuloso para uma comida assim em Paris.
Portanto conheci a secção ruim de frequentar um lugar zero turístico. Ao pedir a maquininha para remunerar a conta, uma das mulheres me disse que a vivenda só aceitava quantia vivo.
Expliquei que tudo o que eu carregava era um celular. Por milagre, uma máquina de cartão surge de trás do bar. Tudo resolvido sem conflito –nessas, você se apercebe de que os franceses também são latinos.
No outro extremo do poder aquisitivo, não é novidade que Paris reúne uma seleção formidável de restaurantes. Se você tiver projéctil, vale reservar uma noite –pesquise e reserve antes de viajar– para manducar muito com todos os salamaleques.
Nem só de haute cuisine française vive a escol da gastronomia em Paris. A cidade, que já foi capital de um poderio colonial, comporta influências que vão do Marrocos ao Vietnã.
Jantei no Boubalé, um restaurante de culinária da Europa Oriental dentro do novo hotel 5 estrelas Le Grand Mazarin –fui convidado, bien sûr, pois pobre, pobre, pobre de Marais, Marais, Marais.
É no velho bairro judeu que fica a moderna cozinha do chef israelense Assaf Granit, que em Paris também tem o Shabour, estrelado pelo Guia Michelin.
O menu teve atum marinado na beterraba com tâmaras frescas. Goulash de bochecha de boi com nhoque. Uma massinha chamada siske, recheada de músculos, ao molho beurre blanc com temperos do Cáucaso. Doido e delicioso demais.
No dia seguinte, a verdade plebeia se impõe implacável. O jeito é manducar na rua, mas não vou encarar as crepes xexelentas. Tem coisa muito melhor. A iniciar pelo que você encontra nos supermercados.
Redes uma vez que Monoprix e Franprix oferecem ótimos queijos, patês e charcutaria em universal, além de um pão razoável. E vinho, não podemos nos olvidar dele. Óptimo vinho francesismo por preço de “sang du bois”. Tem saca-rolhas e copo descartável também.
Se você for a um marché, a um mercado raiz, as chances de encontrar comida maravilhosa sobem para 100% ou um pouco mais. Nas minhas andanças, topei com o mercado de Saint-Quentin, próximo das estações ferroviárias Gare du Nord e Gare de l’Est.
É um mercado pequeno, inaugurado em 1836, que põe no chinelo qualquer mercado público de São Paulo. Tem açougues, peixarias, queijarias, lojas de comidas finas e, último mas não menos importante, um restaurante brasiliano chamado La Bahianaise (que não estava descerrado na minha visitante).
Em Paris, é quase impossível se estrepar quando o objecto é pão. Não precisa ser pão puro, que já é bom demais. O sortimento de sanduíches prontos à venda nas ruas parisienses tende ao infinito.
Há a rede Paul, presente em tudo quanto é esquina e estação, que vende lanches sempre aceitáveis, nunca memoráveis. Há os kebabs das mais variadas origens (libanesa, pérsio, afegã etc.), que espalham neons de churrasco helênico e cheiro de especiarias por toda a cidade.
E há as lojinhas, as delicatessens familiares. Achei uma dessas, por sorte, nos periferia na Gare de Lyon, quando chegava para pegar um trem muito na hora do almoço.
Na vitrine, a minúscula Epicerie Yucos deixa uma lousa com sugestões de montagens. Na prática, você pode combinar quaisquer tipos de queijos, frios e conservas numa baguete sensacional.
Pedi um sanduíche, começaram a fazer, vi que seria grande demais, acabei levando só meia porção. Queijo comté, presunto cozido e salada, 6 euros somente. O melhor almoço da viagem foi um misto insensível a 300 km/h. Ou meio.
O jornalista se hospedou a invitação do hotel Le Grand Mazarin