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O ovo com gema mole e a certeza da morte – 12/07/2024 – Cozinha Bruta

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Sonhei que estava morrendo.

Não tinha susto. Sentia tristeza e culpa.

Triste e culpado por não poder consertar os erros do pretérito. Por todos os planos que esbocei e nem tentei realizar. Por nunca ter conseguido expor tudo o que tinha para expor –a gente sempre pensa que tem alguma coisa muito importante a expor.

Não lutava, me deixava levar. Sabia que renhir com a morte seria estupidez.

Penso na infalibilidade da morte quando leio as recorrentes manchetes sobre os minutos de vida que me rouba cada copo de cerveja. Cada torresminho oleoso. Cada vez que me rendo à preguiça e cabulo a liceu.

As redes sociais renovaram o fôlego dos trombeteiros do apocalipse, dos arautos do terror fomentar. Da galera que fatura grana ou popularidade disseminando o susto de morrer na próxima garfada.

A garfada derradeira, pregam os profetas do piriri mortal, pode vir com ovo malpassado. A temerária gema mole.

Explica-se: as bactérias do gênero Salmonella, que vivem nas vísceras da penosa, podem contaminar seus ovos. Para matar o bicho, é necessário cozinhar o ovo até ele atingir a temperatura interna de 70 ºC –ponto em que a gema já ficou irremediavelmente dura e seca.

Gemas líquidas ou cremosas trazem riscos: contaminação, infecção, desidratação severa. E adivinhação o quê? Morte, aquela que fatalmente baterá às nossas portas qualquer dia.

É um risco que topo passar, até porque não é tão grande assim. Tenho comido ovo malcozido desde a puerícia e não morri… ainda.

Não me recordo de ninguém que tenha ficado doente com ovo de gema tenro (há os famosos surtos de diarreia por maionese de ovo cru, mas eles envolvem uma sequência de práticas culinárias irresponsáveis).

O que tenho na presente:

Os ovos quentes que minha mãe pedia para mim, no moca da manhã do hotel, nas férias em Serra Negra. A primeira francesinha que comi (é o nome de um sanduíche, gente) no Porto, coberta por um ovo frito com gema languidamente pastosa.

Impossível olvidar também a única vez em que me foi recusado o prazer da gema tenro. Aconteceu em Berlim, com um garçom germanicamente leal à lei municipal antiovo. Uma vez que ele pôde fazer tal coisa com alguém que vai morrer?

Portanto acordei em sobressalto. Ainda estava escuro.

Acho estranho seguir o nascer do dia. Ocorre raramente, em universal quando preciso pegar um voo muito cedo.

No caminho do aeroporto, pela janela do táxi, vejo o trânsito dos madrugadores e dos boêmios, comerciantes erguendo as portas de enrolar, a equipe da prefeitura lavando a rua com caminhão-pipa.

Toda uma vida que está pouco se lixando para mim, o horário do meu voo, o meu sono e os meus sonhos de morte. É uma vez que se eu observasse clandestinamente uma veras em que não existo.

Passei um moca, batuquei leste texto, pensei em me fazer uns ovos, mas desisti. Voltei para a leito e meus sonhos intranquilos.

Para quem está desperto e talvez cogite consumir ovos com gema tenro, fica o aviso: você vai morrer.


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