Início Saúde O cérebro na hora da morte – 22/07/2024 – Suzana Herculano-Houzel

O cérebro na hora da morte – 22/07/2024 – Suzana Herculano-Houzel

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Olha a neurociência se metendo na nossa morte, além de tudo o que já faz pela vida humana: um registro oportunista da atividade cerebral de um idoso que morreu subitamente em seu leito de hospital, sob monitoramento completo, confirmou o que já se sabia valer para…ratos morrendo controladamente em laboratório.

O estudo ganhou menção no jornal O Globo de domingo (21) porquê se fosse coisa novidade, e o Instagram está desde logo em polvorosa com o matéria, mas novidade o estudo não é mais —o item em questão foi publicado em fevereiro de 2022 no periódico Frontiers in Aging Neuroscience.

Mas porquê eu também perdi a notícia quando ela era novidade, cá vai.

A notícia: a 30 segundos da paragem cardíaca, minutos posteriormente a última série de convulsões cerebrais, quando o coração já batia inexacto, comprometendo o fornecimento energético do cérebro, a atividade do cérebro do idoso, em vez de se dissipar, se converteu a ondas elétricas rápidas, na frequência dita gama, que em pessoas saudáveis são sinal de…consciência. E mais: já em paragem cardíaca, quando toda a atividade cerebral rapidamente cessa, os primeiros 30 segundos ainda assim mostravam alguma atividade gama.

As ondas gama, rápidas e de pequena amplitude elétrica, indicam atividade neuronal localizada em pequenos grupos dinâmicos dentro do cérebro (porquê pequenas rodinhas de conversa), em vez da atividade lenta, sincronizada pelo cérebro inteiro e de grande amplitude (porquê todas aquelas rodinhas agora berrando a mesma coisa). Somente o primeiro estado é conciliável com a complicação da experiência consciente.

Portanto, embora a persistência e até aumento das ondas gama não sejam garantia de que o senhor em questão estivesse consciente do seu estado de morte em progresso, o invento é perfeitamente conciliável com um estado de consciência de…alguma coisa, muito provavelmente reativando os registros internos do próprio cérebro. É o que fazemos quando fechamos os olhos e nos isolamos das influências do envolvente: o cérebro não para de funcionar, ele somente muda a natividade da sua atividade, de fora para dentro.

Acontece que esses registros internos são o que chamamos de memórias. No cérebro morrente, fazendo recurso das suas últimas reservas de glicogênio na falta de oxigênio trazido por sangue fresco, faz todo sentido que o último surto de atividade ignore os sentidos, caros demais para serem levados em consideração quando o orçamento míngua, e favoreça o que fala mais possante: aquelas conexões cerebrais reforçadas repetidamente ao longo da vida, que são nossas memórias mais queridas.

Evidente que o registro da morte deste senhor, agora compartilhado com o mundo por cortesia da sua família, pode não ser um caso representativo. Mas um estudo feito dez anos detrás mostrou que ratos morrendo em laboratório passam por exatamente a mesma sequência de eventos. Morremos tal qual os ratos, provavelmente; a diferença é que, com milénio vezes mais neurônios corticais, temos muito mais e mais complexas memórias reativáveis no término da vida, porquê um último “hoorah”.

Quem viver verá, dizem, assim porquê dizem que é preciso ver para crer. No caso da experiência da morte, o único evento absolutamente reservado para todos nós, é preciso morrer para saber. Que seja a última experiência neurocientífica da minha vida: essa eu não quero perder por zero.


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