Zero porquê um dia depois o outro.
Menos de um mês detrás, meio mundo clamava para o boicote dos vinhos de três produtores gaúchos. A razão, séria e grave: a suspeita de compactuar com as condições análogas à escravidão impostas a duas centenas de trabalhadores terceirizados.
Nesta semana, a mesmíssima denunciação pesa sobre a organização do festival Lollapalooza, em São Paulo. O caso foi noticiado com sobriedade e discrição. Pipocaram críticas lá e cá, mas nenhum clamor revoltado exigindo o cancelamento dos shows.
Só botou a bunda na janela o pessoal da hamburgueria vegana Bicho Chef. Contratada para servir comida nos bastidores, a empresa decidiu dar W.O. no Lolla.
“Por uma questão de princípios e congruência, independente de quem a justiça vai responsabilizar, cancelamos nossa participação no evento”, diz o expedido da lanchonete no Instagram.
“Ah, mas eram só cinco trabalhadores contra os 208 de Bento Gonçalves.” Amigos, esta é a quarta vez que a mesma romance se repete no Lollapalooza Brasil.
Em 2018, 2019 e 2022, a organização do festival foi acusada de remunerar uma ninharia para moradores de rua trabalharem até 12 horas na montagem do palco e de outros parangolés. Detecta-se um padrão, mas pouca gente se importa com isso.
Os artistas participantes estão calados. Os patrocinadores fingem que não é com eles. E o ínclito público pagante disfarça. Nem se ouvem rumores de boicote ou coisa do tipo.
Dá para entender. É difícil e custoso boicotar o Lolla.
Uma coisa é brandir a gládio da virtude contra um punhado de produtores rurais do Sul do país. A Serra Gaúcha, é notório, apoiou em tamanho o ex-presidente Bolsonaro e até hoje não engole a volta da esquerda ao poder.
Para quem simpatiza com a taxa progressista, é muito mole boicotar essa gente. Fica mais fácil ainda quando o vinho em questão pode ser substituído por outras 9.999 marcas disponíveis.
Já o Lolla, veja muito. Tem a Ludmilla. Tem a dupla Anavitória. Tem resguardo das minorias, inclusão e uma galera superbacana.
Tem, principalmente, muita grana a ser perdida em caso de boicote.
Morrer com o ingresso na mão significa jogar fora de R$ 594 a R$ 2420 por dia de festival. Deixar de comprar vinho, por sua vez, acarreta exclusivamente economia no bolso e uma folga para o fígado.
Para artistas e patrocinadores, portanto, o prejuízo é muito maior. Imagine as multas contratuais para quem ousa mencionar o trabalho servo no Lollapalooza –que dirá pular fora do paquete em cima da hora.
Que todos tivessem o peito da Bicho Chef, que certamente terá de disputar na justiça com a organização do festival, além de entubar o encalhe da comida que já estava semipronta.
Falando nisso, eles vão vender a preço promocional a comida que os artistas não vão consumir: um sanduba com pão preto, cebola caramelizada, queijo vegano e músculos vegetal. Vinte contos, na loja da rua Augusta ou na entrega.
É quase tão barato quanto não comprar um vinho.
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