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O álcool fazia de mim um perigo para a sociedade – 25/07/2023 – Vida de Alcoólatra

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“Não se mexa que eu já chamei ajuda. Você está sangrando muito.” Ouvi isso mas não consegui enxergar o rosto de quem falava. O airbag do coche impedia qualquer movimento da minha cabeça. Eu estava imóvel dentro do coche que se equilibrava em uma árvore. Senti a boca enxurrada de pedra e apaguei. Qualquer tempo depois estava deitada olhando para aquelas luzes insuportavelmente brancas de hospital.

Naquela noite eu tinha entregado meu trabalho de epílogo de curso da faculdade. Sentia um misto de tristeza e euforia —péssima combinação para a minha doença. Paulo, meu melhor camarada na faculdade, estava sentado comigo no bar. Ele sempre bebia muito, mas parava (hoje sei que é um abusador do álcool, não um doente.)

Ficamos um tempo conversando e bebendo, mas alguma coisa estava muito errada. Eu não me sentia à vontade ali, naquele dia o álcool não tinha um efeito calmante, muito pelo contrário: estava me deixando mais nervosa e aflita. “Paulinho, vamos embora, não quero mais permanecer cá.” Fui pegar meu coche.

Naquela estação, não era tão frequente blitz policial (não que isso fosse um empecilho para mim…). Dirigia rumo à minha lar quando Paulo (que muitas vezes dormia lá) me disse: “Me leva pra lar que hoje quero dormir muito”. Por um milagre não discuti e fiz o que ele queria. Talvez porque estivesse cansada-com-sono-triste-eufórica-aflita-angustiada. E bêbada.

Depois de deixá-lo, fui, ou tentei ir, pra lar. Porquê fazia aquele trajectória praticamente todos os dias, seria fácil chegar ao orientação. Quando entrei no bairro onde morava, faltando pouco mais de cinco minutos pra estacionar, já me sentia segura. A sensação de quase lar me fez atear um cigarro e aumentar um pouco o som. Cantando, me distraí e num movimento displicente deixei o cigarro aceso desabar no pavimento do passageiro. Imediatamente fui tentar reaver o cigarro com o coche em movimento mesmo. Bastaram poucos segundos para eu pegar a bituca e levar a maior porrada que já senti. Não larguei o volante e o coche foi parar numa árvore, sem nenhum freio.

Deu perda totalidade. O airbag abriu e eu me fodi. Paulinho provavelmente não teria sobrevivido se estivesse comigo, porque o único espaço interno sem nenhuma ferragem era aquele em que eu estava graças ao airbag. As pedras que senti na boca eram três dentes destroçados. Em minutos eu mudei o orientação final daquela noite. Em vez de deitar na minha leito, fui parar num leito de hospital.

Hoje, passados quinze anos, experimento uma sensação de estranheza ao lembrar daquele dia. Parece que estou contando a história de outra pessoa. Os resquícios desse acidente se resumem a alguns probleminhas na mandíbula e na arcada dentária. Poderia ter sido pior, poderia ter havido consequências piores. É uma merda lembrar disso e redigir sobre isso porque não tem zero a ver com tudo que sou hoje. Estar em recuperação é reprofundar em um intensivão de autoconhecimento e ir clareando o que é a vida, do que eu realmente palato e quem eu sou.

É difícil me perdoar por algumas vezes ter dirigido alcoolizada, é difícil e doloroso pensar que muita coisa poderia ter sucedido. Porque acontece muita coisa. Seis meses depois desse acidente eu perdi o coche e a carteira de motorista. Outro acidente. E, mesmo que eu não tivesse perdido a carteira, as dívidas não me permitiriam comprar outro coche. Hoje, quando vejo pessoas que beberam e vão encaminhar, fico mal. Nunca consegui impedir nenhum bêbado de fazer alguma coisa.

Tive que passar por condenações pessoais e sociais para que finalmente começasse a tentar uma novidade vida. Sou uma alcoólatra em recuperação. Não importa se estou há quatro anos sem ingerir: importa que cada dia sóbria me leva para mais perto de uma vida mais condizente comigo. Hoje eu sou responsável por mim e por quem me pede ajuda. Não fico no meu mundo solitário de dor e arrependimentos.

É fácil? Nem um pouco, mas já foi mais difícil e tudo indica que se eu evitar o primeiro gole nas próximas 24h ficarei ainda mais calma e viverei mais de tratado com meus princípios. Se me culpo? Muito, mas fui pagando o preço e perdendo pessoas e itens. Nesse caso, o coche e a vida motorizada. Para sempre? Não. Só por hoje. E amanhã, quando eu convencionar, vai ser que dia? Hoje. E hoje eu não vou ingerir e não vou perder para a insanidade a que minha doença me leva.

Tudo volta no seu tempo. A missiva de motorista ainda não está comigo. Quem sabe um dia, outra vez de coche, eu possa dar carona para muitos Paulinhos que não são doentes e sim abusadores. Para Alices que teimam em não admitir que perderam para o álcool. O álcool é um problema de saúde pública, uma arma irremissível para pessoas porquê eu. Uma arma para mim e para todos que estão ao meu volta. Pela qualidade de vida que levo hoje, não troco uma mesa de bar por nenhum dia rente no parque, se é que você me entende.


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