Tenho alguns arrependimentos na vida. Um deles é ter queimado tempo e numerário –quando o tinha– em almoços longos durante o expediente.
Quando trabalhava no esquema CLT, com horário para satisfazer, o almoço era um escape temporário. Eu ficava infeliz se comesse no refeitório da empresa ou pedisse qualquer porcaria de um serviço de entregas.
Gostava quando toda a galera do trabalho saía para manducar junta, obstruindo calçadas da soleira ao meio-fio.
Pegava o carruagem e ia almoçar lá na PQP. Se tinha shopping por perto, ia duas ou três vezes na semana. Gastava meu numerário no America, no Ráscal e em outros lugares que entregam muito pouco pelo tamanho da conta.
E ficava preocupado porque a comida demorava, e eu tinha coisas a fazer.
Almoçar com os colegas era lícito? Sim, porém nunca tão lícito quanto ingerir com eles depois do expediente.
Arrependo-me de, tantas vezes, não ter resolvido a vida rapidinho com bandejão ou salso de padoca, sozinho no balcão. A vida acontece fora do trabalho, coisa que eu não percebia.
Estou falando disso por razão de um arranca-rabo entre médicos e não-médicos que apareceu no Twitter.
A história começa com uma advogada de Recife que foi a um pronto-socorro (não disse por quê) e encontrou a espera vazia no primícias da noite. Depois da triagem na enfermaria, precisou esperar mais 40 minutos até ser atendida por um médico.
A razão da lentidão: os dois médicos de plantão saíram juntos para jantar, já que não havia pacientes para atender antes de a nossa advogada chegar.
Perante à indignação majoritária nos comentários, a classe médica se uniu para tutorar os colegas.
Disseram que médicos, uma vez que qualquer outro profissional, têm recta a se nutrir no expediente.
Justíssimo.
Mas os dois juntos? Alguns médicos vieram proferir que não há vedação (impedimento), a não ser que estejam responsáveis por fichas vermelhas –jargão hospitalar para pacientes que estão no ponta do corvo.
Aí a coisa complica.
Pode não ter proibição por lei ou nos estatutos, mas isso não significa que a atitude dos médicos tenha sido razoável ou bacana.
Por que precisariam jantar juntos? Para conversar? Não teriam o resto do plantão para trocar ideias?
Plantão não é guarda, observa uma médica. Espera-se sempre, porém, que haja alguém de plantão no plantão, já que casos de emergência não agendam consulta.
Se só houver um plantonista, ele também precisará manducar, argumenta um profissional de saúde. Perfeito, porém havia dois.
Médico é um profissional, não um filantropo, reclama outro CRM. Ok, só não precisa ser misantropo. Se tivessem bom-senso e um mínimo de consideração com os pacientes, teriam se revezado para jantar.
Uma vez que disse alguém lá na rede do Elon: imagina se dois médicos entram num restaurante vazio e precisam esperar uma hora para manducar porque era hora de almoço do cozinheiro.
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