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‘Me descobri como homem, como pai e como trans’, diz empresário – 11/08/2023 – Equilíbrio

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Leonardo Medeiros tem uma filha de 20 anos, mas vai comemorar exclusivamente seu quinto Dia dos Pais neste domingo (13). Ele se assumiu porquê homem trans em maio de 2018, quando passou a ser chamado de pai por sua filha, Camila, também trans.

Medeiros, 39, vive em Palhoça, na região metropolitana de Florianópolis, onde é possuidor de uma estamparia. Sua mãe Elisa (“empreendedora no ramo das cucas”) e sua filha (“batalhando para ser artista”) moram com ele.

Neste prova, ele lembra a violência sexual que sofreu aos 18 anos, fala da dificuldade para assimilar a decisão da filha pela transição de gênero e conta o que tem feito para se tornar um bom pai.

Eu me sentia dissemelhante das meninas durante a puerícia, meu jeito era completamente masculino. Nasci em Bagé (RS), em 1984, portanto a minha juventude aconteceu nos anos 1990. Sofria muito bullying porque não me comportava porquê a sociedade queria que uma rapariga se comportasse.

No final do ensino fundamental, eu percebia que gostava de meninas, mas não sabia a razão e ninguém falava sobre isso. Quando veio a juventude, eu descobri uma turma de meninas que gostavam de meninas. Aí foi uma farra [risos].

Nessa idade, eu tinha um padrasto bastante preconceituoso. Foram muitos conflitos, e ele acabou me botando para fora de vivenda. Eu tinha 16 anos. Sobre isso, quero frisar que minha relação com minha mãe —hoje viúva— é maravilhosa, a gente conseguiu se reconciliar.

Depois de trespassar de vivenda, minha vida ficou conturbada. Fui para a loucuragem, bebia muito, usava maconha. Quando eu tinha 18 anos, um rosto, que já me perseguia nas baladas, me estuprou mais de uma vez. Porquê ele me ameaçava, eu tinha terror de denunciá-lo. Fiquei grávido.

Nessa idade, conhecia mulheres trans, mas não a transmasculinidade, não sabia que existia. Me sentia dissemelhante, mas não sabia que eu era um varão trans. Eu me identificava porquê lésbica.

Não queria tomar remédio para abortar, mas também não queria mostrar a gravidez, por isso, além de amarrar a bojo, eu usava um moletom para encobrir —isso em pleno verão, fazia muito calor naqueles dias em Bagé.

Em março de 2003, minha mana me levou para o hospital, onde sofri violência obstétrica: a enfermeira me xingava porque eu não queria a moço —eu tinha resolvido, junto com a minha família, deixá-la para adoção. Rejeitava tudo aquilo e hoje não me culpo por isso: tinha sido violentado e estava em pânico. A Camila não tem absolutamente zero a ver com essa dor toda, não é? Ah, obviamente o nome não era Camila [tinha um nome masculino àquela altura].

Faço natalício em 12 de março, dia em que ela nasceu. Dois dias depois, quando já estava em vivenda, começou a jorrar leite do meu peito durante o banho. Fui dormir e sonhei com a Camila. Aí retornamos ao hospital e trouxemos ela de volta. Em vivenda, toda a minha família ajudou a cuidar da moço, ela foi muito muito recebida.

Eu tinha 19 anos e, ao assumir a maternidade, começou a minha tempo adulta. Tive um período muito difícil durante a puerícia da Camila. Ela dizia “mãe, mãe”, e aquilo me feria. Nunca pedi que não se manifestasse daquele jeito, mas me incomodava e eu não entendia o motivo.

Tentei frequentar uma igreja porque achava que havia um pouco incorrecto em mim. Sempre fui durão no jeito de caminhar, e o pastor da Universal me dizia: “Tu não pode caminhar assim, tem que ser mais feminina”.

Em 2010, tive depressão, sentia uma ansiedade muito potente e fiquei três meses de leito. Depois de uma conversa com um psiquiatra, decidi que nunca mais deixaria que alguém opinasse sobre minha sexualidade porque eu tentava namorar alguém e vinha o preconceito.

Ou por outra, resolvi deixar a minha cidade. Saí de Bagé e fui para Rio Grande, também no Rio Grande do Sul. É difícil tomar uma decisão quando você está com um sobranceiro proporção de sofreguidão, mas eu estava determinado a mudar minha vida. Antes trabalhava porquê design gráfico. Na novidade cidade, fiz curso de encanador, fui contratado num estaleiro e comecei a prosperar.

Num dia em Rio Grande, em 2013, quando Camila tinha 10 anos, ela estava na sala de vivenda vendo um documentário sobre Jazz Jenning, uma rapariga trans americana. Ela me chamou e disse: “Não paladar das roupas que eu visto, não paladar de trinchar meu cabelo porquê menino, sou assim [apontando para Jazz]”.

Eu não sabia o que fazer. “A gente mora num estado onde tu já sofre bullying sendo completamente afeminada, porquê seria isso?”, eu disse. Confesso que deveria ter sido um pouco mais potente, ter buscado mais conhecimento para acolhê-la. Por outro lado, eu não me culpo, não tinha informação. O trajo é que Camila botou pra fora sua identidade.

Anos depois, em maio de 2018, quando morávamos em Pelotas, cidade próxima de Rio Grande, uma amiga veio me visitar e ficamos horas conversando. Num determinado momento, ela me perguntou: “Não acha que tu é um varão?”. Aquilo mexeu muito comigo, fiquei fazendo perguntas e não deixei ela dormir.

No dia seguinte, falei com várias pessoas da cidade para saber porquê poderia iniciar o processo. Quando eu assumi minha transexualidade, aos 34 anos, a Camila deixou de me ver porquê mãe e passou a me invocar de “pai” naturalmente. Eu me sentia porquê se carregasse pedras nas costas e, de repente, aquilo se soltou, foi uma das coisas mais maravilhosas que eu já ouvi.

Mas havia uma complicação, evidente. Minha filha se assumiu porquê trans e, pouco tempo depois, eu me descobri porquê varão, porquê pai e porquê trans. Temos nossas dificuldades.

Em 2019, quando nós —eu, Camila e minha mãe, Elisa— já morávamos em Palhoça (SC), surgiu um outro tipo de conflito: o que é ser pai? Nunca tive uma referência de paternidade, meu pai não me assumiu. Foi nessa idade que conheci o Tiago Koch, do conduto Homem Paterno, e outros pais e pude entender melhor temas porquê a masculinidade.

As conversas nesses grupos de pais sempre me trouxeram lucidez. Até portanto, eu era um pouco machista. Hoje, rejeito essa premissa de que o varão deve estar sempre no comando e tenho me tornado um pai melhor.

Paladar de falar sobre minha vida, mas já fui criticado por isso, alguém disse que eu estava me vitimizando. É mesmo uma risco tênue, mas não é esse meu intuito. Lembrar minha história é um jeito de abordar assuntos porquê abuso sexual e transexualidade. Tem gente que me procura, pais e mães, por exemplo, e eu sinto que posso ajudá-los, é uma questão de consciência.

Prova a Naief Haddad

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