No país que mais mata transexuais, o enfrentamento quotidiano de todo tipo de dificuldade é inerente à existência dessas pessoas. Para homens trans, o caminho pode ser ainda mais tortuoso. O grupo afirma que o debate público no Brasil despreza suas necessidades, entre elas o recta de entrada à saúde.
Gab Van, presidente da Liga Transmasculina João W. Nery, uma das organizações de homens transexuais mais importantes do país, diz que, a princípio, o grupo é mais aceito socialmente, em relação às mulheres trans, mas que os corpos transmasculinos são “apagados” e seus problemas, menos divulgados.
“Homens trans também estão na prostituição, são expulsos de lar por transfobia, sofrem violência policial, têm dificuldade de acessar direitos uma vez que atenção básica à saúde e sofrem com altas taxas de evasão escolar. Mas isso ninguém enxerga. Essa violação simbólica nos leva até ao suicídio”, afirma Van.
De concórdia com levantamento publicado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) no ano pretérito, entre 2019 e 2021 foram registrados 50 casos confirmados de suicídio de pessoas transgênero (18 deles de homens trans).
Motivos diversos são elencados uma vez que causadores de sofrimento a essa população, mas se destaca o dificultoso entrada a tratamentos urgentes, uma vez que injeção de hormônios e retirada dos seios (mastectomia).
O primeiro demanda muito moeda, e atualmente há poucas opções em circulação no mercado. Ou por outra, o entrada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) é desigual —nem todas as cidades possuem qualquer hormônio disponível.
Reportagem da Folha já mostrou que uma das poucas opções em circulação no mercado, o Deposteron (cipionato de testosterona), teve seu valor reajustado em 380% em 2022, passando de R$ 52,55 para R$ 252,49 em estados uma vez que São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, considerando o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) de 18%.
Previamente à mudança, o Deposteron era um dos dois medicamentos à base de testosterona mais acessíveis no país. Outro que se encaixa nesse cenário é o Durateston, com preço sumo de R$ 15,04 para estados com ICMS de 18%, mas não há estoque do resultado, o que também impulsionou a inflação de seu concorrente.
Alternativas uma vez que o Nebido (undecilato de testosterona) custam entre R$ 277 e R$ 630.
A falta de entrada a hormônios deixa marcas. Sem o tratamento, homens trans relatam retrocessos no processo de adequação, como a volta do ciclo menstrual, causando danos psicológicos e ao organização.
Segundo o ginecologista Sérgio Okano, professor na Universidade de Ribeirão Preto e médico-assistente do Ambulatório de Incongruência de Gênero da USP, a situação acarreta piora nos sintomas de disforia de gênero, o sofrimento provocado pela discordância entre o sexo biológico de promanação e a identidade de gênero.
O fotógrafo e videomaker Pedro Jorge Afrop tem 25 anos e fez sua transição de gênero há cinco anos. Ele recorria a hormônios, mas interrompeu o tratamento no final do último ano.
Agora, gradualmente, Afrop está retomando o seguimento na UBS (Unidade Básica de Saúde) perto de sua lar, na Vila Nivi (zona setentrião).
Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que o paciente tem uma consulta agendada na próxima semana na UBS Wamberto Dias Costa, unidade especializada na saúde da população LGBTQIAP+, no Tremembé (zona setentrião).
Desde junho de 2022 o fotógrafo aguarda para realizar outro procedimento no sistema público de saúde: a mastectomia. Ele afirma ser esta sua questão mais delicada e urgente, pois usar o binder (colete para minimizar o volume dos seios) atrapalha sua respiração e machuca costela e costas.
Em 2021, Afrop tentou recrutar fundos para a cirurgia privado por meio de uma vaquinha online, mas não atingiu os R$ 18 milénio necessários à idade para realizar o procedimento.
“Me sinto muito desmotivado, porque atrapalha no meu dia a dia. O binder faz pressão devido ao volume [dos seios], porém não posso permanecer sem usá-lo durante o trabalho ou na liceu, uma vez que as pessoas acabam olhando para os meus peitos em vez do rosto”, diz.
Para o bartender Pedro Eduardo Vieira dos Passos, 28, que transicionou há seis anos e meio, e há três anos fez a mastectomia pelo SUS, o seguimento para transmasculinos é extremamente burocrático na rede pública de saúde.
“Fiquei mais de três anos na fileira para a cirurgia, pois, além do seguimento de dois anos, sempre faltavam médicos ou datas. Às vezes a pessoa inicia o seguimento com uma equipe multidisciplinar e, de repente, muda o profissional que a atendia. Isso dificulta a geração de um vínculo, que é necessário, e nem todas as unidades de saúde oferecem o atendimento específico”, diz Passos.
O fotógrafo e protótipo Jenyssis Chaves, 27, conta que, há um ano, quando iniciou seu processo transexualizador, fez um cadastro para iniciar o tratamento de hormonização na rede pública. Atualmente ele está fazendo os exames para esperar encaminhamento, ainda sem previsão.
Nesse pausa, porém, ele optou pela autoaplicação, comprando testosterona sem receita médica. Teve uma trombose e quase perdeu o movimento das pernas. “É importante alertar para o risco que corremos, pois os hormônios são vendidos uma vez que um padrão, porém o organização de cada pessoa é dissemelhante.”
Ele destaca ser muito geral a autoaplicação porque, para encetar a receber os hormônios, é necessário que o tipo seja escoltado previamente por um psicólogo da rede pública. “Muitas vezes, uma vez que foi meu caso, é um pouco muito difícil, temos crises. Cheguei a tentar suicídio. Logo, acabamos optando por essas alternativas.”
Há um ano o jovem está na fileira para realizar uma mastectomia no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Núcleo de Referência e Treinamento DST/AIDS, em São Paulo.
De concórdia com o Ministério da Saúde, até o momento foram incorporados ao SUS, por meio da portaria nº 11/2014, os seguintes procedimentos relativos ao processo transexualizador masculino: mastectomia; histerectomia (retirada do útero); governo hormonal de testosterona; e seguimento integral de pacientes.
Na cidade de São Paulo, o tempo de espera para a realização dos dois primeiros procedimentos é de tapume de dois anos.
A capital é um dos poucos municípios do país a possuir uma rede de atenção à saúde integral de pessoas travestis e transexuais, a Sampa Trans. Com 44 unidades, o sistema oferece seguimento do processo de transformação corporal do tipo.
Sobre a oferta de hormônios, a Secretaria Municipal da Saúde afirma que distribui undecilato de testosterona às pessoas transmasculinas e que não falta resultado em suas unidades. “O que pode ocorrer é o usuário ir buscar e a unidade em questão não estar abastecida no momento do pedido”, diz a gestão, em nota.
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO – ONDE BUSCAR AJUDA
CVV (Núcleo de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia, no número 188. Saiba mais: www.cvv.org.br
Planta Saúde Mental
Site lista diversos tipos de atendimento: www.mapasaudemental.com.br
