Os mistérios de Big Island, a maior ilha do Havaí, começam logo na descida do avião. Da janelinha, avistamos a pista de aterrissagem cercada por rochas vulcânicas gigantes. E já em terreno firme, desembarcamos no charmoso aeroporto da cidade de Kona, praticamente construído ao ar livre.
A ilhota no Pacífico parece mesmo um mundo à segmento. A quase 4 milénio quilômetros da Califórnia, o voo de Los Angeles leva cinco horas. Cá, pouco se escuta “thank you” ou “hello”. É “mahalo” e “aloha”. Os locais também veneram Pele e isso não tem zero a ver com futebol. Pele é a divindade dos vulcões e está, neste exato momento, em plena atividade.
Uma erupção no cume do Kilauea começou antes do nascer do sol numa quarta-feira de junho, no dia 3, depois pequenos terremotos aquém do vulcão. Um lago de mais de 120 hectares de lava derretida foi formado, e jatos jorravam a centenas de metros de intervalo.
Mas ninguém saiu às pressas da ilhota, muito pelo contrário. Milhares de pessoas foram correndo para ver a erupção no Parque Nacional dos Vulcões, uma das atrações mais populares do Havaí. E, segundo funcionários do parque, não tem problema nenhum.
O parque tem espaços com vistas espetaculares para o fenômeno, mesmo com o lago de lava formado numa superfície de entrada proibido aos turistas.
“É seguro ver a erupção dos pontos de paragem ao longo da trilha Crater Rim”, diz Jessica Ferracane, assessora do parque. “Toda a lava está confinada a uma cratera unicamente. Só pedimos aos visitantes para permanecer fora das áreas fechadas. Gases vulcânicos, penhascos, rachaduras na terreno são alguns dos perigos associados aos vulcões.”
Destapado 24 horas, o parque sugere visitas depois das 21h e antes das 5h para evitar as multidões e estacionamentos lotados.
Ninguém sabe ao notório quanto tempo irá perseverar o espetáculo. A última erupção semelhante durou de janeiro a março deste ano. “Mas também tivemos um lago de lava entre 2008 e 2018”, disse Ferracane. “Não saber a duração faz segmento da maravilha e do mistério de se viver em um dos vulcões mais ativos do planeta.”
Mesmo sem erupção à vista, vale muito a pena visitar o parque. Finalmente, quem não quer terçar um lago de lava solidificado no fundo de uma cratera, a Kilauea Iki? A cratera é uma depressão de 120 metros que também faz segmento do vulcão Kilauea, o mesmo que cospe lava no momento, mas através de outra cratera, a Halmemaʻumaʻu.
Ferracane diz que “há muito pouco risco” na trilha de Kilauea Iki (“iki” é pequeno em havaiano), já que os vulcões do Havaí são os mais monitorados e estudados do mundo.
Para descer até sua lava solidificada, resultado de uma erupção em 1959, é preciso terçar uma floresta tropical superabundante, repleta de samambaias e passarinhos, uma vez que os nativos de plumagem vermelha i‘iwi e apapane. Já na base da depressão, onde fica o lago solidificado, flores vermelhas chamadas o‘hi‘a, endêmicas da ilhota, praticamente brilham no cenário seco de rochas pretas vulcânicas.
Esse clima desértico acompanha toda viagem pela Big Island, com estradas cortando campos de rochas vulcânicas e montanhas manchadas por rios de lavas solidificadas. Composta por cinco vulcões, a Big Island se formou justamente com suas erupções ao longo de milhões de anos. E, a cada novidade grande erupção, a ilhota ganha mais território.
A combinação de altas montanhas com esse solo peculiar deu origem a um tipo de moca que só pode ser cultivado cá, o moca Kona, em pequenas fazendas nas encostas dos vulcões Hualalai e Mauna Loa.
O preço é exorbitante, mas muitas fazendas oferecem tour com degustação ao final. A Mountain Thunder Coffee Plantation, a 15 quilômetros do aeroporto, oferece passeio gratuito para explicar a magia do moca Kona. Para comprar o fidedigno, preste atenção nas embalagens: se não disser “100% kona coffee”, é mistura de outras variedades.
Para curtir as praias de Big Island, não tem uma vez que errar. Há praias de areia preta, branca e até virente. Há praias para a família, com diversos serviços, uma vez que aluguel de pranchas e banheiro, praias para surfistas e também aquelas mais difíceis de chegar. Em quase todas, dá para fazer um bom snorkel, ver muitos peixinhos e, com sorte, tartarugas.
Dizem que o melhor snorkel de todos está na baía de Kealakekua, onde só se chega de paquete ou por uma trilha de 40 minutos (a descida é fácil, mas a subida é pesada).
Além da vida marinha sensacional, a baía guarda uma boa história de Big Island. Foi cá que o famoso explorador britânico James Cook, primeiro europeu a estabelecer contato com as ilhas havaianas, foi assassinado em 1779, em sua terceira viagem pelo Pacífico. Depois ter um de seus barcos roubados, Cook tentou em vão sequestrar o rei havaiano para ter a embarcação de volta, mas o erro acabou custando sua vida.
Um monumento a Cook foi levantado na baía, da onde os visitantes saem para entrar na chuva. Quem for caminhando, é bom chegar muito cedo ou no término de tarde para evitar o “congestionamento” de barcos que poluem a vista no final das manhãs.
Outra façanha aquática e um clássico de Big Island é “nadar com as raias mantas” num mergulho noturno, com uma das diversas empresas autorizadas (murado de R$ 700). Conhecidas também uma vez que arraias-jamanta, elas podem chegar a mais de quatro metros, embora não possuam ferrão uma vez que as temidas arraias.
As mantas se alimentam de plâncton, que é atraído pelas luzes dos barcos que levam os turistas. A viagem até uma das baías das mantas leva uma hora e acontece muito no pôr do sol. Se entrar à noite nas águas do meio do Pacífico não assustar, a experiência pode permanecer ainda mais surreal.
As mantas se aproximam lentamente no fundo do mar, uma vez que criaturas alienígenas que parecem voar. Ao subir à superfície, a surpresa tira o fôlego dos desavisados: curiosas, elas podem chegar muito perto do visitante de snorkel, raspando levemente na nossa roupa de neoprene. Porém, uma vez que as lavas incandescentes do Kilauea, é proibido tocá-las, preservando assim mais um dos mistérios da Big Island.