Entre 8% e 20% dos idosos que por qualquer motivo precisam ser hospitalizados apresentam episódios de delirium, distúrbio agudo e geralmente reversível da consciência e da cognição.
Nesses casos, o quidam fica desorientado, com um exposição inconsequente e é geral que não reconheça entes queridos. Trata-se de um quadro dissemelhante do delírio –uma vez que são popularmente conhecidas as alucinações causadas por doenças mentais– e de um importante sinal de que o cérebro do idoso está em sofrimento.
Em procura de biomarcadores que ajudem a diagnosticar o problema e também de alvos terapêuticos, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram a microbiota intestinal de 133 pacientes supra de 65 anos internados no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM-USP). Os resultados da pesquisa foram divulgados em The Journals of Gerontology.
“Identificamos que os idosos com uma microbiota menos diversa tinham maiores chances de desenvolver delirium. E que os pacientes que de trajo desenvolveram o quadro portavam uma quantidade maior de enterobactérias –microrganismos associados a vias pró-inflamatórias e à modulação de neurotransmissores importantes”, conta Flávia Garcez, primeira autora do cláusula.
A médica colabora com as atividades de pesquisa do Serviço de Geriatria do HC-FM-USP e recebeu, em 2019, o prêmio NIDUS Junior Investigator Award, que concede financiamento a pesquisas sobre delirium.
O trabalho com os idosos internados no Hospital das Clínicas integra um projeto maior, bem pela Fapesp, que investiga marcadores de diagnóstico e prognóstico em pacientes graves atendidos em serviço de emergência.
“A microbiota intestinal tem ganhado atenção nos últimos anos. Ela já foi associada a várias condições, como obesidade, resistência à insulina e doença inflamatória intestinal. Distúrbios na microbiota também têm sido relacionados a doenças neuropsiquiátricas crônicas, uma vez que depressão e doença de Alzheimer. No entanto, pouco se sabia ainda sobre a relação entre microbiota e delirium, um distúrbio que, embora seja muito prevalente, ainda está repleto de mistérios”, afirma Heraldo Possolo de Souza, coordenador do estudo bem pela Fapesp.
Eixo cérebro-intestino
Segundo Garcez, a associação entre microbiota e delirium já era esperada e o trabalho mostrou que essa relação é possivelmente bidirecional, com um influenciando o outro.
“Existe o eixo cérebro-intestino, ligado pelo tendão vago que serve uma vez que notícia bidirecional entre o trato gastrointestinal e o cérebro. Fora isso, estudos anteriores já haviam demonstrado a relação entre microbiota e uma doença-irmã do delirium, o Alzheimer“, afirma a pesquisadora.
No entanto, ela ressalta, o trabalho avançou no entendimento dessa relação. “O interessante nesse estudo é que pudemos estimar a microbiota de um mesmo quidam repetidas vezes, antes e depois de ele ter delirium. Com isso, encontramos que o conjunto de microrganismos no trato intestinal mudava quando o mesmo paciente entrava e saía do delirium”, destaca.
Para a pesquisa, foram coletados dados sociodemográficos, clínicos e laboratoriais ao longo de todo o período de internação. A microbiota intestinal foi analisada a partir de amostras obtidas por swabs retais (uma espécie de cotonete que é passada na região do ânus) logo na recepção e 72 horas depois os pacientes darem ingressão no hospital.
Uma terceira exemplar foi coletada mal o voluntário apresentava delirium. O grupo utilizou o Confusion Assessment Method (CAM) para estimar, duas vezes ao dia, a presença do distúrbio durante a internação.
Foram excluídos da estudo candidatos que, até 24 horas antes da recepção hospitalar, fizeram uso de probióticos, prebióticos ou nutrição sintético, muito uma vez que aqueles que apresentavam distúrbios gastrointestinais agudos, traumatismo cranioencefálico grave, histórico de hospitalização recente ou de institucionalização.
Além de investigar a microbiota, o grupo também investigou fatores relacionados à inflamação, uma vez que o nível circulante de citocinas –moléculas que sinalizam ao sistema imune a urgência de enviar mais células de resguardo ao sítio da infecção. No entanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os pacientes que tiveram ou não delirium.
“O delirium é a modificação neuropsiquiátrica mais geral em pacientes internados e pode ser definido uma vez que o cérebro em sofrimento. Por isso é tão importante seguir na investigação e identificar marcadores. Quando se fala em insuficiência renal, existe o vistoria de sangue. Para insuficiência respiratória, é provável ver o paciente com falta de ar. Mas para uma insuficiência cerebral, uma vez que o delirium, ainda não existe um marcador definitivo”, explica Júlio César Garcia de Alencar, professor do curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP) e coautor do estudo.
Alencar ressalta que pacientes que apresentam delirium têm duas vezes mais chance de morrer. E que os fatores conhecidos de predisposição são: sexo masculino, modificação prévia da consciência ou quadro de demência, desidratação e abuso de álcool e outras drogas. “Aliás, é provável que haja um componente ligado ao estresse que a internação provoca.”
Vale primar que os fatores de risco para delirium são os mesmos da disbiose, quesito clínica caracterizada pelo desequilíbrio entre bactérias benéficas e patogênicas no trato estomacal.
Para Garcez, no entanto, a expectativa é que para o delirium sejam encontrados vários marcadores em vez de exclusivamente um. “Porquê muitos fatores podem suscitar esse distúrbio, é provável que existam diferentes gatilhos”, avalia.
O estudo Association Between Gut Microbiota and Delirium in Acutely Ill Older Adults pode ser lido aqui.