Início Saúde Esquizofrenia: filha conta como é conviver com mãe – 03/08/2024 – Equilíbrio

Esquizofrenia: filha conta como é conviver com mãe – 03/08/2024 – Equilíbrio

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Amanda tinha unicamente quatro anos quando sua mãe saiu de mansão e seu pai se encarregou de cuidar dela.

A moçoila morava em São Paulo. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas conseguia descontar algumas coisas.

Somente anos mais tarde, ela ficaria sabendo que sua mãe, Cecília, sofria de esquizofrenia. E foi justamente um de tantos surtos psicóticos que fez com que ela saísse de mansão.

Cecília voltou para mansão depois de passar por tratamento, quando Amanda já tinha oito anos de idade. Ela não só recebeu a mãe, uma vez que também precisou assumir a responsabilidade de ajudá-la nos momentos mais críticos, durante seu processo de prolongamento.

Amanda Marton Ramaciotti hoje é jornalista e editora da revista Anfibia, no Chile, onde mora atualmente. Ela decidiu relatar sua história familiar no livro No Quería Parecerme a Ti (“Eu não queria ser parecida com você”, em tradução livre), um relato íntimo que conta sua relação com Cecília, além dos preconceitos, mitos e estereótipos existentes em relação à doença.

A obra também inclui informações científicas, entrevistas com especialistas e testemunhos de outras pessoas que também foram afetadas pela esquizofrenia.

Em entrevista à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), a jornalista chileno-brasileira repassa alguns episódios da sua obra recentemente publicada, aprofunda seus próprios temores e alerta sobre o enorme ignorância existente sobre a esquizofrenia no mundo.

BBC News Mundo: Por que você decidiu relatar sua história?

Amanda Marton: O ponto de partida foi aos 20 anos, quando descobri que, por ser filha da minha mãe, havia 13% de verosimilhança que eu também tivesse esquizofrenia.

E, segundo todos os estudos, se não se manifestasse nenhum surto psicótico até que eu completasse 30 anos, a possibilidade de que isso ocorresse posteriormente seria muito baixa, de 1%, quase no mesmo nível do restante da população.

Foi ali que, sem querer, fiquei obcecada pelo tema. Comecei a ler muito sobre saúde mental, de diferentes pontos de vista —científico, literário e artístico.

Quando estava perto de completar 30 anos, comecei a me sentir hipócrita. Por ser jornalista, eu acredito no poder das histórias e observo o impacto positivo que gera sua publicação. E me sentia hipócrita quando contava histórias de vida de outras pessoas, mas não a minha própria.

Ali comecei a me motivar a ortografar. Durante o processo, percebi que eu estava errada em muitas coisas, que queria derrubar certos tabus, mas eu mesma tinha vários tabus.

BBC: No livro, você diz: “Quero fazer e expor todo o necessário antes dos 30, para se, por possibilidade, minha mente falhar, se sobrevir alguma coisa.” Porquê você viveu esses anos de incerteza?

Marton: Entrei em um violência muito grande antes dos 30 porque, se eu sofresse um surto psicótico, seria muito difícil ser uma jornalista confiável.

Trabalhei em diversos lugares ao mesmo tempo, queria fazer de tudo, lia compulsivamente. Eu diria que agi até de forma perturbada, no lavor de não ter, entre aspas, a “loucura”.


BBC: Agora, você tem 31 anos, ou seja, já passou do limite de idade dos estudos…

Marton: Devo revelar que, quando completei 30 anos, inicialmente tive uma sensação de vazio.

É uma vez que acontece quando alguém passa por um conflito muito significativo e esse conflito deixa de viver. É simples que existe um consolação, mas também uma sensação de vazio, de perguntar “e agora?”.

Mas aquilo me permite viver mais ligeiro, já que a esquizofrenia sempre será um elemento central na minha vida, mas não quero que seja o principal da minha vida.

Quando penso na minha mãe, não quero pensar sempre nela uma vez que uma mulher com esquizofrenia. Minha mãe é muito mais do que isso.

BBC: Vamos à história da sua mãe. Porquê tudo começou?

Marton: Eu realmente acreditava que o primeiro surto psicótico da minha mãe havia ocorrido quando eu tinha quatro anos e que, por isso, ela havia saído de mansão.

Porquê era moçoilo, eu percebia que alguma coisa ia mal porque recebia cartas da minha mãe perguntando pelas minhas irmãs, mas eu não tenho outras irmãs… Eu me lembro disso uma vez que a primeira quebra da ingenuidade na minha puerícia.

Depois, conduzindo a pesquisa familiar para o meu livro, percebi que os surtos haviam começado muito antes. Mais do que isso: o primeiro surto aconteceu quando ela estava prenha de mim.

Saber disso foi muito difícil porque achei que, talvez, tudo pudesse ter começado no processo da gravidez e, logo, a culpada teria sido eu… não sei… é um mistério.

Também foi muito doloroso perceber os tabus que existiam na minha família e a pouca informação que eles tinham… não sabiam uma vez que agir. Isso reforça novamente a teoria de ortografar esta história, pois é a única forma de aprender e derrubar mitos.

BBC: Em qual momento vocês souberam que Cecília tinha esquizofrenia?

Marton: Primeiramente, os médicos disseram que poderia ser um caso de depressão, depois que poderia ser um surto psicótico qualquer, relacionado à bipolaridade.

Meu pai comentou que ela chegou a ser tratada com lítio, mas o lítio não é usado para esquizofrenia.

Minha mãe só teve seu primeiro diagnóstico quando eu tinha quatro anos e a internaram. Isso trouxe consequências em nível interno e familiar.


BBC: Você tinha quatro anos quando sua mãe saiu de mansão. Que lembranças você tem daquele momento?

Marton: Antes que ela saísse, houve momentos em que eu me afastava dela. Eu não permitia, por exemplo, que ela se aconchegasse comigo na leito. Acho que eu percebia que alguma coisa não estava muito.

Lembro que havia uma espécie de cheiro de doença, uma mistura de cigarro, seu perfume, o creme que ela sempre usou e também um cheiro de poucos cuidados. Quando uma pessoa está em um surto psicótico, ela tende a não cuidar de si própria.

E sinto que oriente é o odor que tenho fresco na memória.

Eu me lembro muito muito do dia em que ela foi embora. Ela se aproximou de mim, se abaixou até a minha fundura e disse: “Vou ver sua vovozinha.”

Eu pedi que ela me esperasse, corri até o meu quarto, peguei alguns lápis e um lenço e entreguei para ela. Ela logo saiu e não voltou mais.

Vários anos depois, antes que voltasse para mansão, ela me devolveu esse lenço pintado.

BBC: No livro, você diz: “Às vezes, acho que nem eu, nem meu pai, existimos plenamente entre 1997 e 2001”, que foram os anos em que a sua mãe não estava em mansão. Por quê?

Marton: Nem eu, nem meu pai nos lembramos de que eu tenha perguntado por ela durante esse período. Acho que, em qualquer nível, eu tinha consciência de que não precisava perguntar porque alguma coisa estava acontecendo.

Nós prosseguíamos, simples, mas sempre estava a presença ausente da minha mãe.

Lembro que, no escola, eles me mandavam preparar presentes para o Dia das Mães. Era imensamente doloroso. Isso certamente acontece com milhões de crianças, em situações muito diferentes…

Realmente, sinto que não existimos plenamente, porque vivemos sempre com essa sombra da exiguidade da minha mãe. Também não há fotos desses anos. É um borrão na nossa história.

BBC: Durante esse período, você podia vê-la?

Marton: Às vezes, minha mãe aparecia, mas meu pai havia trocado a chave de mansão. Isso gerava discussões.

Ela não estava muito naquele momento, mas sempre encontrava formas de se expedir. Ela me mandava cartas em latas de cerveja ou guaraná e me atirava pela janela.

Eu sabia que não precisava mostrar aquilo para ninguém. Logo, eu as guardava e lia quando meu pai não estivesse em mansão.

Aquilo chegou a tal ponto que meus avós foram à justiça, dizendo que minha mãe precisava me ver. Eles logo fizeram um harmonia nos tribunais para que eu pudesse ir vê-la na mansão dos meus avós de tempos em tempos.

BBC: No livro, você menciona alguns psiquiatras e psicólogos, que comentam uma vez que a exiguidade da mãe afeta as crianças. E muitos dizem que aquilo culpa um efeito devastador sobre a personalidade. Porquê você foi afetada?

Marton: Até hoje, não consigo interpretar tudo. É uma incerteza que tenho suspenso.

Uma estudante de psicologia me disse que tem a sensação de que eu queria ser a filha perfeita, que nunca queria estar errada, porque já havia muitas coisas acontecendo na minha família.

Para mim, faz sentido. De veste, eu era muito aplicada nos estudos e sempre tive bolsa porque me saía muito muito. Havia uma procura do perfeccionismo para diminuir todo o caos que havia ao meu volta.

BBC: Porquê foi o momento em que a sua mãe voltou? Foi muito difícil esse retorno?

Marton: Existe uma data que ficou gravada na minha memória para toda a vida: 31 de julho de 2001.

Foi o dia em que a minha mãe voltou para mansão. Eu fiquei com aquilo na mente.

Descobri que mencionei aquele dia nos meus diários de moçoilo e minhas amigas de puerícia me dizem que eu não parava de repetir que minha mãe ia chegar.

Também me lembro de ter essa sensação de moçoilo, de me sentir um pouco culpada por ela ter saído e de não querer que ela fosse embora outra vez.

Para meu pai, também foi difícil. Voltar a encarar uma vida, uma esposa, depois de quatro anos. Ele tinha muito pânico.

Minha mãe, por exemplo, não podia assar para mim um bolo de chocolate que só ela sabia fazer porque meu pai não confiava, não sabia se ela estava muito.

Houve logo um processo de reacomodação familiar, de restaurar a crédito. E também de aprender a nos conhecermos.

Porque uma filha de quatro anos é dissemelhante de uma filha de oito. Eu precisei apresentar minha mãe a grande segmento dos meus amigos que não a conheciam.

BBC: Você comenta no livro que precisou mourejar com um surto psicótico da sua mãe pela primeira vez, sozinha, em 2013, quando tinha 20 anos. Foi muito difícil para você controlar aquela situação?

Marton: A crise de 2013 foi muito, muito dolorosa.

Foi um momento de inflexão. Minha mãe havia estado muito, mas, quando cheguei ao Brasil para vê-la nas férias de verão, percebi que alguma coisa andava mal.

Até que, na noite de Natal, ela perguntou pelas minhas irmãs e me lembrei do grande traumatismo da minha puerícia —porque, quando eu tinha quatro anos, percebi que alguma coisa não ia muito com a minha mãe, justamente porque ela me perguntava por irmãs que não existiam.

Decidi levá-la ao hospital, embora ela estivesse muito desconfortável com a situação.

Aquela foi a primeira vez em que ouvi uma pessoa expor que minha mãe tinha esquizofrenia. Até logo, nunca haviam me dito a vocábulo diretamente.

E lembro que a médica me disse que precisaria interná-la e eu não quis. Preferi me encarregar dela.

BBC: Frente à possibilidade de que você desenvolvesse esquizofrenia uma vez que sua mãe, você conta no livro que não tinha pânico dos efeitos mentais da esquizofrenia, nem das terapias de choque. O que, logo, assustava você?

Marton: Os preconceitos, caminhar pela vida sentindo que existem preconceitos contra a sua pessoa.

Minha mãe perdeu amizades por ter surtos psicóticos, porque elas não a entendiam. Ser tratada com condescendência é alguma coisa que me irrita.

E não é necessariamente porque eu me importe demais com o que as pessoas pensam, é porque isso traz consequências diretas ao nosso dia a dia, não ter trabalho, amizades ou não poder se desenvolver em diferentes setores.

Neste sentido, acredito que minha mãe é muito valente, muito poderoso, muito resiliente. Não sei se eu conseguiria.

E também me dava pânico ser um peso para o meu marido e para os meus pais. Fazê-los suportar por isto.

E, por término, a maternidade. Eu não teria filhos – e esta é uma decisão totalmente pessoal – se tivesse desenvolvido esquizofrenia. Era uma decisão que, para mim, estava definida porque não queria que um rebento meu passasse por alguma coisa parecido com o que eu precisei viver.

BBC: Você acredita que exista ignorância do mundo sobre esta doença?

Marton: Sim, muito. E é outra razão por que tomei a decisão de ortografar o livro.

Fico desesperada quando as pessoas usam o termo “esquizofrênico” para caracterizar uma pessoa ou uma situação. Porque potencializa demais os estereótipos.

Acredita-se, por exemplo, que as pessoas com esquizofrenia podem ser violentas. Não é verdade. Nem todas as pessoas são.

Todos os estudos científicos demonstram que, mais do que serem violentas, elas sofrem muita violência devido à sua requisito.

Eu adoraria se chegássemos ao ponto em que as pessoas com esquizofrenia pudessem expor isso sem serem julgadas, abandonadas ou rejeitadas pela sociedade, mas ainda vejo que isso está longe.

Dizia-se antigamente que 1% da população mundial sofria de esquizofrenia. Agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou o número e diz que uma em cada 300 pessoas sofre de esquizofrenia em todo o mundo.

São quase 25 milhões de pessoas, o que é muita gente. Se temos um número uma vez que oriente, por que não falamos mais sobre a esquizofrenia?

Sinto que existem muitos preconceitos que ainda precisam ser derrubados.

BBC: Na última frase do livro, você diz que não tem mais pânico de se parecer com a sua mãe…

Marton: Eu não queria ser parecida com a minha mãe em muitas coisas. Mas, no processo de pesquisa e ao saber a sua história, percebi que existem muitos pontos em que somos parecidas.

Eu adoraria me parecer mais com ela em muitas outras coisas. Ela é uma mulher mais paciente, de menos confrontos.

Eu gostaria de ter a sua mel.

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