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Conservadores atacam políticas públicas para criança trans – 13/07/2024 – Ilustríssima

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[RESUMO] Políticas de saúde voltadas a crianças e adolescentes transgênero sofrem reveses no Brasil, nos EUA e em outros países com investida de grupos conservadores e políticos de extrema direita, que têm mobilizado casos esporádicos de pessoas que se arrependeram do processo de transexualização para patrocinar leis que cerceiam a oferta de cuidados médicos, uma vez que terapias hormonais.

No início de junho, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escreveu no seu perfil no Instagram: “Não existem crianças trans. Existem pais irresponsáveis”. A publicação, amplamente compartilhada entre grupos conservadores, fez secção de uma ofensiva contra a participação de pais e crianças trans na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, mas nem de longe representou um ato solitário.

A despeito de um conjunto de estudos nas áreas de desenvolvimento de gênero, neurociência e psicologia e de associações médicas internacionais atestarem a existência de crianças transgênero e validarem terapias direcionadas a elas, a medicina de gênero infantojuvenil tem sofrido reveses, com um escrutínio galeno, jurídico e político dos tratamentos ofertados.

O exemplo mais evidente vem dos Estados Unidos, onde ao menos 20 estados, a maioria liderados por republicanos, adotaram nos últimos anos medidas para restringir o chegada de crianças e adolescentes a cuidados relacionados à transgeneridade. O Alabama, por exemplo, aprovou uma lei que torna crime ofertar qualquer tipo de “tratamento de afirmação de gênero” a menores de 19 anos.

A lei prevê pena de prisão de até dez anos e multas para o médico ou outro profissional de saúde que prescrever tratamentos que ajudem na transição de gênero, uma vez que bloqueadores hormonais (que restringem os hormônios ligados a mudanças no corpo durante a puberdade), hormonização (uso de hormônios que fazem com que a figura física da pessoa esteja de conformidade com a sua identidade de gênero) e cirurgias.

O estado também proíbe que estudantes trans usem banheiros e vestiários com base em suas identidades de gênero e que professores, do jardim de puerícia ao quinto ano, tratem de qualquer objecto relativo à identidade de gênero em sala de lição.

Uma lei semelhante sancionada na Flórida suspendeu ainda a transição social de gênero, ou seja, reconhecer que um jovem é trans, usar os seus pronomes e nomes corretos e concordar o seu libido de viver publicamente uma vez que o gênero com o qual se identifica em vez daquele atribuído ao nascer.

O desvelo médico para crianças e adolescentes transgênero entrou na taxa das eleições presidenciais americanas. O governo de Joe Biden se mostra favorável aos cuidados de asseveração de gênero, exceto a cirurgias a menores de idade. Já o republicano Donald Trump anunciou o projecto de subscrever uma lei federalista proibindo todos os tratamentos a menores trans.

No término do mês pretérito, a Suprema Corte americana concordou em analisar uma objeção, trazida em secção pela gestão Biden, a uma lei do Tennessee que proíbe tratamentos a menores transgênero. É a primeira vez que a incisão decidirá a reverência da constitucionalidade dessas proibições estaduais.

Em março deste ano, o Reino Uno mudou a política de cuidados às crianças e aos adolescentes trans. O NHS, o serviço vernáculo de saúde britânico, interrompeu o uso rotineiro de bloqueadores da puberdade aos jovens com disforia ou incongruência de gênero —angústia relacionada ao sentimento de que o sexo de promanação não corresponde à identidade.

A justificativa do NHS é que, em seguida uma revisão de documentos iniciada em 2020, liderada pela pediatra Hilary Cass, não encontrou “evidências suficientes para concordar a segurança ou a eficiência clínica dos hormônios supressores da puberdade”. Eles estão disponíveis agora exclusivamente para crianças e adolescentes que participem de ensaios clínicos ou sejam atendidos em algumas clínicas privadas.

Esses medicamentos, os mesmos usados em casos de puberdade precoce, suprimem a liberação de estrogênio (hormônio feminino) ou testosterona (masculino) e impedem, temporariamente, o desenvolvimento dos seios, da mênstruo, de pelos faciais e voz mais grossa, por exemplo.

Pesquisas mostram que o bloqueio hormonal, que é reversível, reduz o risco de transtornos psíquicos que podem afetar pré-adolescentes e adolescentes trans quando forçados a passar pela puberdade com um gênero com o qual não se identificam. Entre os efeitos colaterais de longo prazo da medicação, estão queda da densidade óssea e da fertilidade.

“Ele não precisa ser uma escolha, mas é uma possibilidade. Para muitos, passar pela puberdade se percebendo uma vez que mulher e ter barba, pelo, pênis crescendo, voz grossa e gogó é um inferno. Ou se perceber um varão que tem peito e menstrua. Na puberdade, isso tem um efeito perturbador, leva a deserção de escola, depressão, isolamento social, automutilação, tentativa de suicídio e suicídio”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, um dos pioneiros no Brasil no atendimento de crianças trans.

A decisão do NHS foi criticada pela principal organização internacional de médicos e profissionais que prestam serviços a pessoas trans, a Wpath, que respondeu afirmando que suas diretrizes são muito mais robustas que as do serviço de saúde britânico por serem “baseadas em revisões muito mais sistemáticas”.

Revisões sistemáticas avaliam evidências para uma determinada questão médica a partir de um conjunto de estudos relevantes com objetivo de realizar uma estudo sátira e abrangente da literatura científica sobre o tema.

Porém, as revisões sistemáticas da Wpath também têm sido questionadas, sob suspeita de que seus líderes tentaram interferir na produção dos estudos, encomendados ao núcleo de prática baseada em evidência da Universidade Johns Hopkins em 2018. As investigações ainda estão em curso.

No Brasil, uma portaria do Ministério da Saúde de 2013 sobre o processo transexualizador só autoriza a terapia medicamentosa hormonal no SUS a partir dos 18 anos, e as cirurgias de asseveração de gênero e outros procedimentos (uma vez que retirada das mamas ou do pomo de Adão) podem ser feitas com 21 anos ou mais.

Já uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) de 2019 autoriza o uso de bloqueadores nos primeiros sinais de puberdade e de hormonização a partir dos 16 anos. Ambos os tratamentos são autorizados exclusivamente dentro de protocolos de pesquisa e em centros especializados. A norma veta cirurgias de modificação corporal a menores de 18 anos.

No momento, ambas as normas passam por revisão e ainda não se sabe se, em relação às crianças e adolescentes trans, serão mais restritas às que vigoram hoje. Segundo o Ministério da Saúde, todo o normativo do Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans, uma vez que é chamada a novidade política, está em tramitação para a publicação.

O CFM também discute internamente a revisão da sua solução, mas não há ainda data para o objecto ser levado ao plenário. Existe uma possante pressão de grupos conservadores para que a norma seja mais restrita, proibindo, por exemplo, o bloqueio hormonal na puberdade e a hormonização antes dos 18 anos.

Mesmo seguindo à risca as atuais recomendações do CFM, o Amtigos (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), do Hospital das Clínicas da USP, foi níveo de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) da Assembleia Legislativa paulista no ano pretérito, que investigou os tratamentos oferecidos a crianças e adolescentes trans.

O relatório final, de dezembro, propôs a interrupção de novos atendimentos de jovens que buscam o bloqueio hormonal na puberdade e a hormonoterapia. Cinco deputados (do PL, do Republicanos e da União Brasil) votaram contra o atendimento e três (do PT e do PSOL), em prol. O documento foi guiado aos Ministérios Públicos Estadual e Federalista e ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas não teve nenhum efeito prático até o momento.

Para o psiquiatra Alexandre Saadeh, a atual solução do CFM está correta em deixar o comitiva de crianças e adolescentes trans restrito ao envolvente de pesquisa. “A gente tem que produzir estudos, saber uma vez que as coisas cá no Brasil estão acontecendo”, afirma.

Segundo ele, embora o desvelo ofertado hoje seja limitado a poucos centros no país, o que dificulta o chegada, esses serviços são essenciais. “99,9% dos adultos trans dizem que tudo começou na puerícia e que a puberdade foi uma quadra muito difícil. Não poder ser quem você é, essa não existência, é uma violência.”

Na opinião do endocrinologista pediátrico Daniel Gilban, coordenador de atendimento de adolescentes no programa identidade-transdiversidade da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), as pessoas que questionam a identidade de gênero de crianças o fazem por transfobia ou ignorância. “A pessoa trans não brota aos 18 anos.”

De conformidade com os médicos, os pais percebem que a petiz tem uma identificação com as questões sociais de gênero que não batem com o sexo de promanação entre 2 e 4 anos de idade. “É uma grande angústia, e a primeira reação é reprochar, inibir. Aí percebem que isso vai se manter ao longo do tempo e começam a buscar ajuda”, explica Saadeh.

Foi caso de Thamirys Nunes, fundadora da ONG Minha Criança Trans, organização que liderou um conjunto de pais e crianças durante a Paragem LGBT+ deste ano, com faixas dizendo “crianças trans existem”. A iniciativa provocou a ira de grupos conservadores e houve moção de repúdio aprovada pela Percentagem de Previdência, Assistência Social, Puerícia, Mocidade e Família da Câmara dos Deputados.

Thamirys conta que, aos 3 anos, o portanto fruto Bento disse: “Mãe, sabe o que é triste? É triste que Deus não me fez rapariga. Eu seria tão mais feliz”. Com 3 anos, 11 meses e 15 dias, ele voltou ao objecto: “Mãe, eu posso morrer hoje para nascer uma rapariga amanhã?”.

Thamirys diz que sua reação imediata foi falar: “Pelo paixão de Deus, não morre. O resto a gente dá um jeito”. Nascia ali Agatha, hoje com 9 anos. A transição está sendo acompanhada por especialistas e, até o momento, não inclui o uso de terapias hormonais —muito menos de cirurgia.

De conformidade com o psiquiatra Saadeh, a partir dos 8 ou 9 anos, a vida das crianças trans começa a permanecer mais complexa, porque elas passam a ser vítimas de bullying na escola e percebem o preconceito ao volta. “Muitas crianças se fecham porque sabem que os pais estão sofrendo. O que uma petiz nessa filete etária quer? Ser dulcinéia pelos pais, ter uma convívio em grupo e ser aceita nele.”

Entre os 9 e 13 anos, de conformidade com critérios clínicos, os médicos podem indicar o bloqueio hormonal. “O bloqueio da puberdade é uma forma de lucrar um pouco mais de tempo para que a pessoa tenha certeza sobre a própria identidade de gênero”, afirma Gilban, da Uerj.

Segundo Sadeeh, a literatura mostra que, quando bem-indicado, o bloqueio é eficiente tanto na definição da transgeneridade quanto na cisgeneridade. “Um pré-adolescente vai ser bloqueado por um tempo, até os 16 anos. Existe uma janela para poder fazer essa mediação. Se não fizer nesse período, não vai funcionar.”

A maioria, diz ele, vai se definir uma vez que transgênero e uma pequena parcela pode pedir para suspender o bloqueio. Entre as razões, estão motivos religiosos, não se sentir legitimado em não seguir o que a biologia determinou ou porque não era mesmo transgênero. “A pessoa amadurece e conclui, por exemplo, que é gay, bissexual ou heterossexual.”

Seguindo a toada dos Estados Unidos, o Brasil tem registrado um número crescente de projetos e de leis que tentam cercear direitos de pessoas trans. Existem ao menos 77 leis municipais e estaduais antitrans em 18 unidades da federação —mais de um terço entrou em vigor em 2023, como revelou a Folha.

Entre as restrições, estão o uso da chamada linguagem neutra e o impedimento de debates sobre a temática de gênero nas escolas, o que contraria decisões do STF (Supremo Tribunal Federalista). Há também vetos ao compartilhamento de banheiros e à participação de atletas trans em competições esportivas. Outras normas proíbem crianças e adolescentes trans de acessar serviços de saúde e de participar de paradas LGBTQIA+.

“A gente percebe esse movimento conservador se acentuando. Há vários projetos de lei tramitando, por iniciativa de políticos de extrema direita. Tivemos a absurda CPI em São Paulo e temos os aliados do bolsonarismo tentando mudar a solução do CFM, o que seria péssimo”, diz o endocrinologista Daniel Gilban.

Para Thamirys Nunes, o movimento político de extrema direita tem ocupado espaços importantes no Legislativo e no Executivo, dificultando o desenvolvimento de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes trans. “Isso desvirtua o debate de direitos humanos para um debate de moral e de costumes, com influências religiosas.”

Jules Gill-Peterson, professora de história do gênero e da sexualidade da Universidade de Pittsburgh e autora de “Histories of the Transgender Child“, diz que os conservadores de direita têm reciclado, com as crianças trans, a mesma linguagem vista no pretérito em torno de gays e lésbicas: os discursos sobre um suposto transe para crianças e a pretensa premência de protegê-las por meio de leis.

O livro apresenta registros de hospitais e clínicas americanas do início do século 20 que retratam jovens trans vivendo com o gênero com que se identificam e lutando para fazer a transição, o que, segundo pesquisadora, derruba a tese de que crianças trans sejam um fenômeno social novo ou uma tendência do momento.

Há, por exemplo, cartas escritas a mão por crianças trans a um famoso endocrinologista, Harry Benjamin, que era publicado por fornecer assistência médica a transgêneros. As crianças pedem para o médico vê-las, dar-lhes permissão para usar as roupas que quisessem e falar com a família ou com o professor. “Eram crianças sabendo muito nitidamente que eram trans e enfrentando profissionais médicos”, afirma Gill-Peterson.

Ao mesmo tempo, outro fenômeno tem servido de munição para os grupos conservadores: os crescentes relatos de pessoas que se arrependeram de mudar de gênero e passaram por uma destransição.

Um caso emblemático é o da britânica Keira Bell, que iniciou o processo de transição aos 16 anos e chegou a remover os seios. Aos 23, parou de tomar os hormônios masculinos e agora processa o serviço de saúde britânico. Para ela, a equipe médica falhou na avaliação e deveria ter questionado mais sua decisão de fazer a transição do gênero feminino para o masculino.

Estudos sobre casos de destransição mostram que as taxas podem variar entre 5% e 13%. Para os especialistas, essas situações são atribuídas, principalmente, a falhas no processo de comitiva.

“Qualquer mediação biotecnológica não é brinquedo. Tem que ter critérios bem-definidos, um desvelo individual com cada petiz e juvenil para não intercorrer o que aconteceu com Keira Bell”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh.

Ele conta que acompanhou um único caso de destransição em quase 30 anos de trabalho com a população trans. Um menino trans passou por hormonização aos 16 anos e, aos 21, quando iria fazer a retirada dos seios, se arrependeu e parou de tomar os hormônios masculinos. “A questão do diagnóstico correto é crucial. Não no sentido de patologização, mas de garantia de saúde.”

Segundo o endocrinologista Daniel Gilban, essa minoria de pessoas que se arrepende não pode ser usada de pretexto para invalidar o recta de uma maioria e, com isso, limitar o chegada a tratamentos. “Ambas precisam ser respeitadas e acompanhadas.”

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