Início Música Consciência Negra: Alcione lembra episódios de racismo – 20/11/2024 – Celebridades

Consciência Negra: Alcione lembra episódios de racismo – 20/11/2024 – Celebridades

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São Paulo

Se tem uma coisa que vira a cabeça e tira Alcione do sério é o racismo. No início de sua trajetória na música, quando acompanhava Emílio Santiago (1946-2013) em um show, o “negão de tirar o chapéu” acabou impedido de entrar na boate por ser preto.

Na ocasião, ela não se calou: jogou uma lata de lixo na direção da dona do estabelecimento. “Aprendi desde cedo com meus pais que não deveria encolher a cabeça para ninguém e que não tinha marcas de chicote nas costas”, diz a cantora, que começou na curso ainda menino, ao apresentar-se na Orquestra Jazz Guarani, regida por seu pai, João Carlos. Ela tinha 12 anos e ainda morava no Maranhão.

Criado oficialmente em 2011, o Dia da Consciência Negra sempre foi, para Alcione, todos os dias. Mas a data solene, 20 de novembro, é privativo para ela. Aliás, duplamente privativo. Primeiro, pelo motivo mais óbvio: “É um momento para lembrarmos o motivo de estarmos cá e para onde queremos caminhar. Um dia de reflexão e, evidente, de luta por nossa identidade cultural.”

Também porque a Marrom celebra no dia seguinte seus 77 anos. Se nunca se deixou emudecer, não seria agora que o faria. Ela diz que faz questão de usar sua voz ativamente contra qualquer tipo de discriminação. “Se muito que as pessoas não têm muita coragem de tentar me atingir com seus preconceitos. Até porque não sou nenhuma ‘anja’.”


O que o Dia da Consciência Negra representa para você?

Não é uma simples data comemorativa, mas um dia para maiores reflexões, para repensarmos a trajetória do nosso povo. Nossa história sempre foi de lutas e batalhas duríssimas com caminhos árduos e muitas vezes tortuosos. É um momento para lembrarmos o motivo de estarmos cá e para onde queremos caminhar. Um dia de reflexão e, evidente, de luta por nossa identidade cultural.

Uma vez que lida com a questão da negritude em sua vida?

Aprendi desde cedo com meus pais que não deveria encolher a cabeça para ninguém e que não tinha marcas de chicote nas costas. Temos uma ancestralidade possante, somos guerreiros e aos poucos estamos ocupando os espaços que nos são de recta. Nenhum ser humano é melhor do que o outro por conta de sua raça, cor ou credo.

Você completa 77 anos no dia seguinte, 21 de novembro. Há alguma coisa a comemorar?

Coincidência mesmo. Mas eu paladar de exaltar as coisas boas que andam ocorrendo atualmente sem olvidar que ainda temos muito a invadir. Felizmente, essas novas gerações, diferentemente do pretérito, quando as mudanças transcorriam de forma mais vagarosa, estão conseguindo prosseguir muito no combate aos preconceitos e em resguardo dos nossos direitos. Estamos avançando; não o suficiente ainda, mas estamos caminhando.

Uma vez que contribuiu com a desculpa?

Acho que sempre procurei contribuir uma vez que artista e uma vez que pessoa de diversas formas. Uma vez que artista, dando meus recados no palco e falando sobre os preconceitos, o racismo. Tentando alertar as mulheres, principalmente as pretas e as mais dependentes dos seus parceiros, sobre a violência e os perigos que as rondam diariamente.

Já participou ativamente de qualquer movimento?

Sim, de diversos movimentos e campanhas educativas ou até mesmo em prol da sobrevivência de pessoas em condições muito precárias. Só para exemplificar: servia uma sopa para os moradores de rua em uma quadra que a Mangueira tinha no meio do Rio. A população era praticamente toda negra

Você se considera uma referência para outras pessoas pretas?

Ter esse lugar de fala, conforme dizem por aí, traz algumas responsabilidades. Por isso, mencionei que aproveito o palco para mandar meus alertas. Aliás, qual mulher não canta para dar seus recados? Eu não perco uma chance, sou dessas (risos). Tem muita gente, sim, que me pede conselhos e, dentro do provável, eu procuro ajudar. Mas não sou nenhuma ‘profetisa ou mãe Dinah’, não (risos).

A renome te poupa do racismo?

Hoje, evidente, sou conhecida e as pessoas não têm muita coragem para me atingir com seus preconceitos. Até porque não sou nenhuma ‘anja’ e a galera sabe muito disso. Mas, no início da curso, quando estava voltando da boate em que trabalhava, um policial me abordou perguntando: ‘Neguinha, o que está trazendo nessa sacola?’. E eu, que carregava meu trompete, respondi que neguinha era o pretérito dele. Evidente que não gostou, me chamou de ‘muito saliente’ e resolveu me colocar no camburão.

E uma vez que foi o caminho até a delegacia?

No trajeto, uma das moças que estavam por lá me perguntou se eu era novidade no pedaço. Mas, felizmente, quando chegamos à delegacia, fui ‘salva’ por um policial chamado de Jacaré que me conhecia, pois já tinha me visto tocar em uma moradia noturna. ‘Ei, deixa essa moça, libera ela, é da música, eu a conheço…’

Lembra de qualquer momento que tenha te tirado do sério?

Certa vez eu estava com o Emílio Santiago [1946-2013] e a dona de um bar o proibiu de entrar na boate por ser preto. Joguei uma lata de lixo para trás [na direção dela] quando vi que ela estava chegando.

De modo universal, tem esperança de um porvir menos racista?

Evidente que tenho esperanças. Reitero que estamos abrindo caminhos, às vezes com muitas dificuldades, quase a fórceps, mas continuamos avançando. Nossas lutas vêm de muito tempo, transcendem séculos, mas nunca faltaram vozes contra a vexame. A cada dia, somos mais conscientes de nossa identidade e papel na sociedade

Já cogitou entrar para a política?

Nem pensar!!! Ser candidata a qualquer função público? Nunca! Meu ‘trato’ com Deus nessa Terreno foi para trovar, não posso mudar isso.

Acha que as novas gerações terão um mundo mais justo?

A gente pode facilitar fazendo o que está ao nosso alcance. Nós da Mangueira, por exemplo, criamos muitos projetos voltados a incentivar a garotada nos estudos. Em nossa escola mirim, a Mangueira do Amanhã, as crianças só podem desfilar se estiverem estudando, passando de ano. É uma forma de educar, formar um cidadão. Atitudes e projetos que se provam promissores, na minha humilde opinião, podem transformar vidas.

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