O balneário gaulês mais famoso pela aura de glamour do festival de cinema —que todo ano leva celebridades a desfilar pelo tapete vermelho à borda de um Mediterrâneo cintilante— esconde uma joia para quem quer mais do que só a aura e sim o luxo e a riqueza reais. Esconde é modo de expor, porque é verosímil enxergar no horizonte da praia de Cannes a ilhota que abriga um dos destinos de férias mais surreais no mundo.
Não é a Sicília, mas estamos num território que lembra “The White Lotus”, a série de TV que levou a outro nível a teoria de perrengue chique —com a diferença que cá, na ilhota de Sainte Marguerite, não há nenhum problema à vista.
Uma antiga fortaleza do século 13, que já teve entre os seus convidados o rei Luís 14, o surrealista americano Man Ray e, por último, uma lista de bilionários que não gostam de chegar, acaba de se transformar no Le Grand Jardin, uma vila de ultraluxo que só pode ser reservada em sua totalidade, ou seja, na piscina, nas salas de estar e jantar, na borda da praia ou no bar, ninguém corre o risco de flagrar —ou ser flagrado— por um desafeto.
Os 12 quartos, um deles no elevado da velha torre com vista para a Croisette, ficam à disposição do grupo que desembolsar muro de R$ 1,5 milhão por semana para relaxar à litoral, com a atenção manente de dois mordomos por pessoa —sua taça de champanhe não se esvazia, as toalhas são levadas sequinhas até o navio no meio do mar, caso você sinta um friozinho ao trespassar da chuva depois do mergulho no azul turquesa da Riviera.
É muito ali, aliás, que estão fincadas, debaixo d’água, seis esculturas monumentais do artista britânico Jason deCaires Taylor. São rochas enormes fazendo carão, mais expressivas que aquelas famosas carrancudas da ilhota de Páscoa, e muito menos atraentes.
Isso porque o mergulho até lá exige fôlego de desportista, musculação em dia e destreza para desviar das águas-vivas, o que faz pensar que esportes radicais não combinam com a silêncio de Sainte Marguerite, e há quem prefira se esticar ao sol e deixar a exploração submarina, um pouco que ganhou ares mórbidos nas últimas semanas, para quem não precisa de um merecido folga.
Mesmo os menos interessados em torrar no sol do Mediterrâneo encontram refúgio em toda a ilhota, que tem secção de seu paisagismo original agora restaurado e outras esculturas, para o amante das artes, espalhadas pelo terreno. Há trilhas para quem deseja desbravar a natureza, mas há também massagistas de plantão para quem quer só saber de deitar e relaxar mesmo.
Se os domínios de Sainte Marguerite parecerem pequenos demais, as cidades de Nice e Cannes estão logo ali, com seus hotéis transbordando de gente e restaurantes e bares disputadíssimos no elevado verão.
Quem prefere fugir da badalação ou tem pouca paciência para as hordas de turistas fazendo selfies na Croisette, a dez minutos de navio da vila, pode cruzar uma pequena língua de mar em frente ao Grand Jardin até a ilhota vizinha, Saint Honorat, onde monges mantêm até hoje uma vinícola e um restaurante, o La Tonnelle, com vista espetacular da Côte d’Azur. Os barcos atracam por ali também pela visão privilegiada do pôr do sol, uma espécie de Arpoador na costa francesa.
No silêncio de veste monástico, embora sem qualquer voto de pobreza, é verosímil sentir que a vida é bela, ao menos por uns instantes em que parecemos estar tão longe dos nossos problemas, por fim é uma ilhota, e a vista do mar fosforescente ganha a guerra contra qualquer distração que possa chegar no celular.
O mundo real, sabemos, insiste em se manifestar quando menos se quer despertar de uma temporada no paraíso, mas Sainte Marguerite e sua silêncio luxuosa ficam na memória.
O jornalista viajou a invitação do Le Grand Jardin