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Como um restaurante de Roma envergonha o macarrão à carbonara – 11/10/2023 – Cozinha Bruta

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O magarefe londrino abriu um sorrisão quando lhe pedi um pedaço de guanciale –papada suína curada com sal.

“Coisa boa, né?”, ele me disse enquanto embrulhava a paragem. Meio que para testar sua reação, mandei: “Vou fazer uma carbonara”. Aí o fulano desandou a falar.

“Você não usa creme de leite, claro?” Franzi o cenho e balancei a cabeça em sinal negativo. Portanto o magarefe apontou para um colega: “Nascente face põe creme de leite na carbonara!” O violador sorriu envergonhado, exibindo as gengivas quase todas desprovidas de dentes.

O macarrão à carbonara, nas décadas mais recentes, se converteu numa bandeira da ortodoxia culinária italiana. Não muito tempo detrás, a galera punha creme, presunto, ervilha, bechamel –e ninguém dava a menor pelota para tais transgressões.

Italianos se apegaram ao purismo para propagandear que só eles são capazes de executar muito as receitas de seu país. Virou folclore, já.

Não pode trinchar espaguete no prato. Não pode, em hipótese alguma, servir macarrão uma vez que seguimento de músculos. Não pode fazer espaguete com molho à bolonhesa.

Mas por que não? A justificativa recai sempre nas tradições regionais da Itália.

A tamanho à carbonara, a despeito de sua origem controversa (há pesquisador italiano dizendo que os americanos a criaram), incorpora perfeitamente o espírito desse fundamentalismo.

É muito tradicional em Roma e usa ingredientes regionais romanos –queijo pecorino (de ovelha) e o tal guanciale, que só recentemente ficou espargido fora da Itália mediano.

Soma-se a isso o traje de ser uma receita traiçoeira. Qualquer vacilo, e a mistura de ovos e queijos desanda, vira ovo mexido. Requer, portanto, alguma perícia do piloto de fogão –eis por que o ufanismo italiano foi encampado pelo esnobismo foodie no mundo todo.

Italianos adoram sacanear estrangeiros que conspurcam a receita única e inalterável da pasta flanco carbonara: ovos, guanciale, pimenta-do-reino, pecorino e só.

Agora, vejamos o que um restaurante de Roma (capital intergaláctica da carbonara) faz com a comida sagrada: leva o macarrão à mesa numa coqueteleira, logo o garçom sacode a coisa uma vez que se estivesse a preparar um daiquiri.

Depois despeja o rigatoni (nem sempre é espaguete) no prato do cliente, dramaticamente para ser filmado e lucrar engajamento nas redes sociais. Uma vez que em qualquer caça-níqueis cafona do Itaim ou do Jardim Anália Franco.

O lugar se chama Aroma (a Roma, sacou?), exibe ostensivamente sua estrela Michelin e fica no Palazzo Manfredi, um hotel 5 estrelas com vista para o Coliseu. O prato custa 45 euros (R$ 240).

Se a encenação grotesca da “carbonara shakerata” não cobre de vergonha a tradição romana, não será um pouquinho de creme que o fará.


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