“Indígena tem 30% do corpo queimado após acidente com fondue em restaurante no RS”. Meus olhos saltaram da trajectória ao ler oriente título no site da Folha, na segunda-feira, 11 de março.
Porquê assim? O que aconteceu aí?
O título, é bom frisar logo de face, não tem zero de sensacionalista. Não é caça-cliques.
Ele descreve objetivamente a tragédia que se abateu sobre a jovem Jaqueline Tedesco, da etnia kaingang, quarta pessoa indígena a se formar em recta pela Universidade Federalista de Rio Grande, no litoral gaúcho.
A tragédia tornou-se ainda maior nesta sexta-feira, quando foi anunciada a morte de Jaqueline. De novo, a perplexidade: uma vez que uma coisa dessas pôde intercorrer?
No sábado (9), Jaqueline comemorava a formatura com colegas, amigos e familiares. Apesar de estarmos no verão, escolheu-se um restaurante especializado em fondue.
No fondue, uma vez que se sabe, a natividade de calor é uma espiriteira, pequeno fogareiro a álcool.
Em oferecido momento, a labareda feneceu. Era preciso reabastecer a espiriteira. Um procedimento absolutamente comum num restaurante de fondue.
Foi nessa manobra, feita por uma garçonete, que a garrafa de álcool explodiu e provocou ferimentos mortais em Jaqueline.
Todas as responsabilidades têm de ser apuradas mas, a despeito disso, o incidente é uma modelo crua da nossa insuficiência perante à aleatoriedade da existência.
Em hipótese alguma Jaqueline poderia imaginar que aquele fondue viria a ser seu último jantar. Quem morre num restaurante? Quantas vezes o tal réchaud foi provido sem problema qualquer?
Acontece que acidentes acontecem.
Houve, muitos anos detrás, um acidente a que dei pouca ou quase nenhuma relevância.
No consórcio de um colega, uma convidada se engasgou com um pedaço de comida. Não conseguia falar ou gritar, somente fazia gestos difíceis de entender.
Outro colega percebeu o que se passava e tascou um safanão nas costas da moça. Ela cuspiu a comida, recompôs-se, e a sarau prosseguiu noite adentro, com risadas e muitos litros de cerveja.
Qualquer tempo mais tarde, fiquei enamorado pela moça que se engasgou.
Se as coisas tomassem outro caminho naquela sarau, não sei o que seria da minha vida agora. Se ela se engasgasse sozinha, longe dos outros convidados, talvez meu fruto mais novo não existisse.
Nem eu nem você nem ninguém temos controle sobre coisa alguma. Isso apavora, mas ao mesmo tempo é libertador. Significa que a preocupação é um tormento inútil.
Sonhe e faça planos. Tenha em mente, entretanto, que o seu porvir depende menos das suas próprias decisões do que das decisões alheias e seus desdobramentos, além de eventos de todo imponderáveis. Porquê, por exemplo, uma pandemia ou um raio que despenca do céu.
Você aí, ralando no escritório para remunerar os boletos, talvez se torne diretor da empresa no próximo ano. Ou talvez, já na semana que vem, esteja tolhido numa leito de hospital.
Depende muito pouco de você. Logo relaxe, que dói menos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul aquém.