Os acidentes ofídicos, uma vez que são tecnicamente chamadas as picadas de serpentes peçonhentas, ainda são um problema estrutural no Brasil e em outros países, sobretudo para populações rurais. Porquê secção da estratégia de enfrentamento ao problema, desde 1986 é obrigatória a notificação detalhada dessas ocorrências no Sistema Único de Saúde (SUS). A teoria é que os dados possam subsidiar ações de saúde, uma vez que a distribuição de soro antiofídico.
No entanto, um estudo publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicinal Tropical mostra que esses formulários nem sempre são totalmente preenchidos, além de conterem informações provavelmente incorretas, dada a incoerência entre sintomas mencionados e a espécie que provocou o acidente.
O trabalho identificou 17.658 casos entre 2009 e 2019 e labareda a atenção para a urgência de treinamento dos profissionais de saúde na notificação dessas ocorrências.
“Os profissionais da saúde não são treinados para o preenchimento adequado das fichas compulsórias de notificação, o que dificulta o planejamento de saúde pública para esse tipo de acidente. Outrossim, falta conhecimento sobre as espécies mais comuns e os sintomas provocados”, afirma Sâmia Caroline Melo Araújo, primeira autora do estudo, realizado durante seu mestrado na Universidade Estadual do Maranhão (Uema).
Por isso, as autoras defendem ações de pequeno prazo para treinar os profissionais de saúde no reconhecimento dos acidentes ofídicos de espécies clinicamente importantes, além da promoção de um atendimento adequado ao paciente e preenchimento correto dos formulários de notificação obrigatória de acidentes ofídicos. Com isso, as pesquisas sobre o tema poderão continuar.
“Existem dados nacionais e mundiais sobre essa questão, mas são de pelo menos cinco anos detrás. O maior problema é que os trabalhos são feitos com dados incompletos, uma vez que esse tipo de acidente não é notificado ou é subnotificado. Notamos que no Maranhão, segundo estado com maior número de ocorrências desse tipo no Brasil, o problema se repete”, conta à Dependência Fapesp Thaís Guedes, pesquisadora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp).
Atualmente, Guedes coordena o projeto “Evolução e biogeografia da herpetofauna: padrões, processos e implicações para a conservação em cenário de mudanças ambientais e climáticas”, bravo pela Fapesp. Um dos objetivos do projeto é justamente o mapeamento de áreas de risco de acidentes ofídicos no Brasil.
Zona rústico
O levantamento revelou que a maior secção (66%) das vítimas de picadas de serpentes vivia na zona rural, onde também aconteceu a maioria dos acidentes (82%). Do totalidade de ocorrências, 535 (3% das fichas) não dispunham de informação sobre o lugar de residência das vítimas e 425 (2%) da região onde ocorreu o acidente.
A profissão da vítima era, na maior secção das vezes (45%), trabalhador rural, embora em 31% dos casos não houvesse informação da ocupação. A imensa maioria era de homens (77%).
As serpentes que mais causaram acidentes foram as jararacas (gênero Bothrops, em 67% dos casos), seguidas de cascavéis (gênero Crotalus, 24%) e uma pequena secção de corais (Micrurus) e surucucus (Lachesis), cada uma respondendo por 1% dos casos.
As picadas foram majoritariamente (53%) nos pés e 10% nas mãos. A maioria (58%) das vítimas recebeu atendimento em até três horas em seguida o acidente, tempo limite para diminuir as chances de agravamento do quadro e de morte. Provavelmente por isso a maioria dos envenenamentos foi ligeiro (52%), com 81% das vítimas tendo se renovado. O desfecho foi a morte em somente 1% das ocorrências (139 casos).
As principais associações ocorreram entre severidade do intoxicação, idade da vítima, gênero da serpente e tempo entre a picada e o zelo médico. Pessoas entre 51 e 60 anos tiveram mais chance de desenvolver casos graves, seguidas por vítimas supra de 60 anos.
As pesquisadoras ressaltam, porém, que o número de casos é provavelmente subestimado, um tanto geral nesse tipo de acidente não somente no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde, entre 4,5 milhões e 5,4 milhões de pessoas são picadas por serpentes anualmente. Desse montante, até 2,7 milhões desenvolvem sintomas, enquanto entre 81 milénio e 138 milénio morrem de complicações decorrentes do acidente.
Segundo documento da dependência da Organização das Nações Unidas (ONU), grupos de superior risco incluem, além de trabalhadores rurais, pescadores, caçadores e crianças que trabalham. No estudo brasiliano, a segunda profissão mais declarada pelas vítimas era “estudante” (16%).
“Observamos que grande secção dos acidentes no Maranhão aconteceu durante os meses de janeiro e março, quando ocorre um período de grande atividade rústico, possibilitando o encontro dos seres humanos com as serpentes. Estima-se que o uso de botas, perneiras e luvas pelos trabalhadores rurais reduza até 90% dos acidentes com serpentes de relevância médica. O atendimento e a notificação feitos de forma adequada podem reduzir o número de vítimas com sequelas e mortes”, encerra Guedes.
O cláusula Snakebites in Northeastern Brazil: accessing clinical epidemiological profile as a strategy to deal with Neglected Tropical Diseases pode ser lido em www.scielo.br/j/rsbmt/a/KpJpFxDdHMkc3H4D5WWf9Cr/?lang=en#