Na juventude, cheguei a pegar a rebarba de uma quadra em que os cardápios dos restaurantes chiques em São Paulo vinham em gálico, sem tradução.
Pior: somente os cardápios entregues aos homens vinham com os preços da comida. Pior ainda: às vezes, nem isso. Se você quisesse saber o quanto iria remunerar, precisava se sujeitar ao constrangimento de perguntar ao garçom, na frente da mais pura moça-donzela que você convidara para jantar.
São Paulo era mais caipira. O Brasil era mais caipira. O mundo era mais caipira.
Ou talvez não.
O mundo, todo conectado, encontrou meios de conciliar o provinciano e o cosmopolita. A jequice globalizada de manifesta de maneiras distintas na Europa, nos Estados Unidos e, evidente, no Brasil. São Paulo é um caso fascinante desse fenômeno.
Acabo de saber da abertura de uma filial paulistana do Les Deux Magots, moca histórico de Paris. Lugar que se autodenomina “moca literário”, pois frequentaram-no Camus, Hemingway e o par Beauvoir-Sartre, entre tantos.
Fica em Saint-Germain-des-Prés, zona à esquerda do Sena cuja aura boêmia há muito foi convertida em capital turístico. Ainda assim, um lugar menos afetado do que as partes aristocráticas da Rive Droîte.
A filial paulistana está numa pracinha da rua Colômbia, nome que a rua Augusta ganha depois de galgar a Estados Unidos. É onde os Jardins não têm mais prédios, somente casas enormes. É onde pobre não tem o que fazer além de faxinar e podar arbustos.
São Paulo tem um toque de Midas peculiar quando se trata de restaurantes estrangeiros que lá se instalam. Tudo vira cafonice e esplendor.
Chegou o Pain Quotidien, panificação demi-bouche de origem belga, e causou frisson. A confeitaria do Buddy Valastro, famoso mundialmente por fazer bolos temáticos bizarros sem outro predicado privativo, se tornou ponto de romaria dos instagrametes.
Até o Outback, programa dos Bart Simpsons da vida nos EUA, ganhou status de restaurante para uma saída privativo.
Voltemos ao moca gálico.
Em Paris, o Deux Magots virou arapuca turística de luxo, com preços conformes, para viajantes com desodorante vencido. Em São Paulo, será zoológico de gente rica e de amante de parlamentar dos rincões do Brasil. Preços também conformes, por óbvio.
O site gálico exibe primeiro o cardápio em inglês. O cardápio brasílico vem com os nomes em gálico grandões, lupa para conseguir ler a versão brasileira.
E, por falar em ler, o moca literário dos Jardins deverá sediar acalorados debates intelectuais sobre clássicos contemporâneos porquê “Pai Rico, Pai Pobre” e “A Sutil Arte de Vincular o F*da-se”.
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