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A decepção com os guias feitos por IA – 13/09/2023 – Zeca Camargo

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Ao entrar por aquela frontaria com largas vitrines e os batentes azuis, no coração do Marais, você toma o melhor “calvo” de Paris. Ah! E servido de maneira uno por Brigitte, que talvez sem nunca ter lido “Dom Casmurro”, roubou de Capitu os olhos de ressaca.


Talvez existam outras tantas Brigittes pela capital francesa —e outros tantos calvados deliciosos e perfumados. Mas nenhum chega à sua taça com aquele “nonchalance”, e talvez até uma certa empáfia, exibidas por Brigitte detrás do balcão do La Belle Hortense, esse lugar meio livraria meio cave na rua Vieille-du-Temple.


O Belle Hortense você encontra em mais de um guia da cidade mais visitada no mundo. Mas para ser convidado para o disputado círculo de clientes de Brigitte, você tem que ir lá para conhecê-la de perto.

Eu mesmo fui porque um dos meus irmãos, certamente procurando um lugar lhano para um último copo pelo Marais numa madrugada de meio de semana, passou por ali e resolveu entrar. E eu contei pra inúmeros amigos, citei em artigos que escrevi sobre Paris e já vi comentários de colegas viajantes que aceitaram minha sugestão e não se decepcionaram.


Eu acho que tem a ver com a maneira porquê eu falo das vezes que fui àquele lugar. Do olhar de Brigitte quando me serve essa cachaça de maçã à 1h30 da madrugada gelada de uma quarta-feira. Essas coisas não aparecem muito nos guias de viagens. Muito menos naqueles escritos por inteligência artificial.

Lembrei-me de Brigitte quando li recentemente, no The New York Times, uma reportagem sobre um novo tipo de embuste aplicado em turistas incautos: os guias feitos por lucidez sintético.

Publicado por esta mesma Folha, o magnífico item de Seth Kugel e Stephen Hiltner foca num “novo” responsável de publicações do gênero chamado Mike Steves. Que aliás é tão inventado quanto sua foto, também gerada por IA.

As “dicas” de Mike, contam eles, são as mais genéricas possíveis, recolhidas de outros textos já escritos. Na maioria das vezes, informativas, só que desprovidas de charme, vivência ou curiosidades inesperadas que nós viajantes adoramos saber.

A reportagem revela uma vaga de fraudes que engana os viajantes com obviedades: os lugares são imperdíveis, todas as atrações, inesquecíveis. E ainda sabota os competentes autores de mesocarpo e osso cujos livros, infinitamente mais elaborados, custam mais custoso.

Os leitores que compraram os guias genéricos, segundo o jornal, ficaram extremamente decepcionados. Também, pudera! Para que remunerar por um punhado de informações desordenadas que você pode conseguir na Wikipédia?

Recentemente, comentando buscas que fiz no ChatGPT sobre turismo, dividi cá meu espanto quanto às informações imprecisas, quando não grosseiramente erradas, que encontrei. Mas o pior, conclui, era a falta do fator humano nas respostas.

Turismo é um ponto essencialmente tutorial. Sim, queremos saber se devemos levar casacos pesados para Paris em abril, mas não é muito melhor errar na roupa e passar um pouco de insensível do que perder a chance de encontrar Brigitte nas altas horas da boemia do “troisième”, porquê é conhecida a vizinhança do Belle Hortense?

Nós que amamos essas experiências pelo mundo sabemos que elas não estão nos databases mais completos das IAs. E que, se quisermos sentir o pulso das cidades que visitamos e fazer outros se apaixonarem por elas, só as histórias contadas com paixão e memória é que realmente encantam.

E é por isso mesmo que, sonhando estar agora em Paris, eu encerro pedindo: “Brigitte, s’il vous plaît, encore un calvo!”.


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