Alberto Grandi é um italiano um pouco dissemelhante.
Os italianos, porquê se sabe, têm uma visão um tanto rígida da emprego das próprias tradições gastronômicas. E manifestam tal visão de forma singularmente dramática.
Se alguém quebra o espaguete ao meio antes de colocá-lo para cozinhar, um italiano é capaz de ameaçar trinchar os pulsos.
Italianos agem porquê se a cozinha italiana fosse um epítome de dogmas ancestrais e imutáveis, sendo qualquer transgressão um delito hediondo.
Daí o estrondo causado pela entrevista que Alberto Grandi, um italiano, concedeu à repórter italiana Marianna Giusti no jornal inglês Financial Times.
Grandi fez glória justamente por impugnar a tradição gastronômica de seu país. Docente de história da sustento na Universidade de Parma, ele sustenta que os pilares intocáveis da culinária italiana são, em muitos casos, invenções marqueteiras, oportunistas e relativamente recentes.
Dentre as teses abraçadas pelo “professore”, uma provoca pessoal tensão com a comunidade foodie: a massa à carbonara teria sido criada no pós-guerra, com mantimentos das tropas americanas que ocupavam Roma.
Essa versão não é exatamente novidade. Quando os militares gringos tomaram a Itália ao termo da Segunda Guerra, levaram com eles o rancho do moca da manhã.
Sim, bacon e ovos. Não ovos frescos, mas ovos liofilizados, em pó. E isso, misturado ao espaguete, teria se transformado na carbonara.
A presumível origem americana para a carbonara é uma estocada lancinante no purismo gastronômico da Itália. Porque, dizem hoje em dia, a carbonara só é autêntica se for feita com o guanciale –mesocarpo salgada e curada da papada do porco, resultado típico do Lácio e da Úmbria.
Porquê seguir vivendo com a invenção de que a receita original levava bacon? Porquê andejar de cabeça erguida ao saber que receitas italianas dos anos 1950 pediam presunto ou até cogumelos?
Segundo Grandi, o guanciale só entrou em cena na carbonara por volta de 1990 –assim porquê a receita dogmática preparada exclusivamente com ele, ovos, queijo pecorino e pimenta-do-reino.
A entrevista do acadêmico, mamma mia, repercutiu com força na Itália. Grandi, por mexer com o que não deve ser mexido, demonstra paranoia. “Eles me odeiam cá”, declarou à repórter do FT no restaurante em que ambos jantavam.
Talvez não seja só paranoia. A própria Marianna Giusti, autora da entrevista, sente-se usurpada da identidade que acalentou por toda a existência. Dá para sentir o baque no título do texto em inglês: “Tudo o que eu, uma italiana, pensava que sabia sobre cozinha italiana estava inexacto”.
É perceptível e líquido que o macarrão à carbonara nasceu do bacon americano? De jeito nenhum. Rastrear a origem exata de uma receita esbarra no roupa de que a vida cotidiana não é registrada em livros.
Na verdade, pouco importa se a carbonara é americana ou vem do tempo dos etruscos. Mas tente manifestar alguma coisa assim para um italiano que não seja o professor Alberto Grandi.
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