Digamos que estou no Mediterrâneo. A localização exata não é importante. Ou ainda, é. Mas não para agora. Deixemos isso para quando eu for ortografar sobre levante lugar.
O que importa agora é esse mar. Não estou sozinho nele, há pessoas me acompanhando. Mas, de repente, entre um pausa e outro de trabalho, percebo que estou só. Só eu e o mar. Um mar que, segundo o linguista israelense Guy Deutscher, sequer era azul para os gregos antigos, que não tinham uma termo para essa cor. Na “Ilíada” e na “Odisseia”, ele era ora preto ora vermelho.
Esse que estou olhando agora, no entanto, é azul, uma vez que os olhos de Santiago, o pescador cubano que Ernest Hemingway imortalizou em seu livro “O Velho e o Mar”. Tudo nele, conta o jornalista, era velho, exceto seus olhos.
Não unicamente da mesma cor que o mar, mas ainda, alegres e imbatíveis, dois adjetivos que, ao contrário de “azuis”, eu poderia usar para descrever meus próprios olhos, ali, olhando para aquele Mediterrâneo.
Ao longe, uma cidade moderna numa encosta que tem charme de medieval, uma era que é inevitavelmente associada a esta belíssima ilhota. Mas aquela visão era um pormenor, uma vez que é um pormenor o nome de onde estou.
O que me interessa nesse momento em que estou sozinho, sentado em uma prancha de stand-up paddle, é o mar. O mesmo mar que já vi de tantas cores: marrom em Goa, Índia; turquesa em Galinhos, Rio Grande do Setentrião; verdejante no litoral de Tonga; preto em Galápagos, Equador. Vi também o mar em infinitos tons de azul: denso na Baía de Todos os Santos; dramático na África do Sul; transparente na Tasmânia; nanquim em Viña del Mar, Chile; variegado com branco nas ondas do Havaí; glauco uma vez que o de Taormina, Sicília; esperançoso uma vez que o que o Tejo deságua em Lisboa.
Mas levante, no caso, era unicamente azul. Tentei até procurar adjetivos, mas acabei por desconseguir —um verbo que um colega meu chamado Bito, de Angola, onde o mar flerta com o grená, me ensinou a usar para coisas da vida que você acha que não vale a pena nem tentar.
Eu estava sentado na prancha, minhas pernas mergulhadas unicamente dos joelhos para insignificante na chuva nem tão gelada. Meus parceiros de viagem trabalhavam ao longe, mas eu mesmo vivia, solitário,
alguma coisa peculiar com aquele mar.
Diante daquela imensidão, lembrei-me do livro de Hemingway, menos por sua possante história sobre a mandamento de um varão já em idade avançada que, semanas sem conseguir pescar zero, embarca numa novidade tentativa uma vez que se fosse a primeira. Foi mais pelo título da obra.
Brinquei na minha cabeça com a teoria de um velho que só vê diante de si aquele infinito. Com meus 60 anos recém-comemorados, numa outra viagem que você talvez tenha acompanhado neste espaço, o velho era eu. E o mar…
Veja muito, uso “velho” sem raciocínio de valor —levante texto não se presta a isso. É mero oposto de jovem, no que diz saudação a números: 60 não é 20. Independentemente da idade do meu espírito, meu corpo já viveu seis décadas. Porquê as redes adoram ressaltar, é sobre isso.
Pois eu era esse velho ali sentado, os pés submersos já acostumados à temperatura da chuva, pleno de ter atravessado uma vida linda que agora tinha me trazido até cá, levante esquina tão peculiar no mundo. E me senti livre.
Livre o suficiente para iniciar a vogar. Com o vento possante, eu não precisava nem me esforçar. Era só me entregar à manante. Sem pressa, sem direção. Adiante. Só, comigo mesmo. Os gritos dos meus companheiros cada vez mais distantes: “aonde você vai?”. Porquê se eu soubesse a resposta…
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