Uma produtora do Orbe Repórter me procurou alguns meses detrás.
O programa iria abordar a cultura de boteco no Brasil. Ela, carioca, procurava um mote para falar dos bares de São Paulo. Um pouco que os diferenciasse das bodegas do Rio e Belo Horizonte.
Nem precisei pensar na resposta. A cena botequeira paulistana –no cômputo universal, mais fraca do que a carioca ou a belo-horizontina– brilha quando se trata dos bares tocados por descendentes de japoneses.
É um pouco único de São Paulo, exótico para a maior secção do Brasil.
A cidade tem muitos izakayas, bares tipicamente japoneses, com decoração japonesa e comida japonesa.
Alguns são autênticos, outros foram projetados para parecer autênticos. A fórmula acabou replicada com sucesso em cidades onde a comunidade nipônica é numericamente irrelevante.
Mais interessantes são os botecos, sem qualquer tipo de presunção internacional ou folclórica, com nipo-brasileiros no comando. Um nicho em que o Bar do Luiz Nozoie reina inteiro.
Quem é de fora não tem teoria da comoção que causou a morte do seu Luiz, aos 93 anos, na última segunda-feira (25). O velho e o bar são patrimônios inestimáveis para a comunidade dos bebedores de cerveja de São Paulo.
O Bar do Luiz Nozoie, no bairro da Saúde, não tem placa ou letreiro. É de um tempo em que somente a vizinhança frequentava os botecos e as vendas.
Eles não precisavam anunciar um nome fantasia. Bastava o nome do proprietário, transmitido no boca a boca.
“Rebento, vai no Carlão comprar século gramas de presunto.” “Vou pegar umas cervejas no bar da Alice e já volto.” Era mal funcionava.
Por muito tempo, foi só o bar do Luiz. Mas São Paulo se agigantou, e a nomeada se espalhou para além dos arrabaldes da zona sul. Mais: outro Bar do Luiz, este na zona norte, conquistou reputação semelhante.
Naquele ponto, os dois Luízes entenderam que precisariam assinar seus sobrenomes: Nozoie e Fernandes.
A cerveja do Luiz Nozoie, quiçá a mais gelada do Brasil, não explica o carinho dos frequentadores pelo bar.
A comida emociona, em próprio as frituras: pastéis, espetos de camarão, bolinho de milho, rã à milanesa. Por obséquio, vá testar a rã do Luiz Nozoie. Mas a comida, isoladamente, tampouco justifica a aura de lá.
O borogodó do Luiz vem de um amontoado de predicados abstratos. O tal espírito do boteco.
Cabem aí o tempero nipónico, o renitência nipónico, o calor brasílio, a informalidade de boteco, o paixão palpável da família Nozoie pelo negócio –que não decaiu um milímetro quando o patriarca precisou delegar atribuições para a prole e agregados.
A freguesia capta esse espírito e vibra na mesma frequência. Por isso o Bar do Luiz Nozoie é um bar quase perfeito. Quase.
O botafoguense Preá, cartógrafo dos botequins de Copacabana, prega uma teoria peculiar: o melhor bar é o mais perto de vivenda. Eu meio que concordo.
O único defeito do Bar do Luiz Nozoie é permanecer longe demais da minha vivenda. Por isso bebi lá muito menos do que gostaria.
Descanse em sossego, seu Luiz.
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