Você está cordialmente convidado a participar do casamento das gêmeas Bhagyalekshmi e Dhanalekshimi com os gêmeos Sanoop e Sandeed, no dia 22 de outubro de 2023, em Chengannur, na região de Kerala, no sul da Índia. Por exclusivamente R$ 750.
Quando descobri que uma empresa agora faz a ponte entre noivos indianos e turistas que querem viver uma “verdadeira experiência cultural” na Índia, eu fiquei primeiro chocado. E, depois de um rápido examinação de consciência, encabulado.
Nunca participei propriamente de um himeneu indiano, a não ser numa breve reportagem em Goa, onde fiz questão de registrar uma sarau dessas que acontecia ao lado de núpcias católicas, uma vez que é geral naquela região. Mas essa não é a história inteira.
Fiquei sabendo dessa empresa chamada Join My Wedding (venha ao meu himeneu) numa reportagem do jornal “The New York Times“, cuja chamada fazia referência a uma frase que eu ainda não havia encontrado: fetichismo cultural. Uma espécie de apropriação cultural, só que um pouco mais perversa.
Enfim, discutia o item, que papel tem um turista ocidental (e até um brasiliano!) numa das mais sagradas cerimônias indianas? Naquela reportagem que fiz em Goa, lembro-me de me esforçar para manter certa intervalo, uma vez que observador exclusivamente. Mas quem ousaria passar por um convidado numa sarau dessas?
Aparentemente um punhado de viajantes curiosos. O site joinmywedding.com oferece centenas de eventos similares, em várias partes da Índia, inclusive para comemorar a união de ocidentais com indianos. Mas exclusivamente um himeneu de gêmeas com gêmeos…
Os votos vindouros chamaram minha atenção pela peculiaridade do romance. Mas confesso que toda a teoria de estar numa celebração na Índia me encantou. Mas estaria eu transgredindo os limites do reverência cultural se vestisse um “kurta” e dançasse uma vez que num filme de Bollywood na tal sarau?
Quando celebrei meus 55 anos em Luang Prabang, no Laos, paguei para levar 40 amigos e familiares para uma cerimônia tradicional onde famílias da cidade amarravam barbantes nos nossos punhos e nos desejavam boas coisas. E foi uma das vivências mais fortes que tive na vida.
Mas, repensando aquela noite, será que eu tinha o recta de estar ali? Ou ainda, tendo pago pela experiência, o quão verdadeiro era aquilo que testemunhamos? Outras situações parecidas me vieram à memória.
Uma dança em Maputo, Moçambique, onde uma das meninas entrava em transe. Uma reflexão com mantras em Paro, Butão. Uma recepção da comunidade Uros no lago Titikaka, no Peru. Garotos dançando hipnoticamente ao som do gamelão em Ubud, Bali.
Nessas situações, que tanto me marcaram, será que eu estava exclusivamente exercitando meu fetichismo cultural? E o que exatamente era isso?
Uma vez que nas filmagens de Goa, eu sempre, mesmo uma vez que turista, respeitei a cultura lugar. Mas será que isso foi suficiente? Na reportagem do New York Times, os noivos diminuem esse impacto, reforçando que turistas são bem-vindos.
Não fazem pelo moeda, explicam, já que o valor arrecadado com os ingressos não cobre nem uma fração dos custos astronômicos de um himeneu indiano, que dura no mínimo três dias! Alguns entrevistados dizem até que talvez fosse um símbolo de status ter ocidentais nas festas. Seria portanto um fetichismo cultural revirado?
Talvez eu tenha que embarcar em uma novidade viagem e numa outra vivência dessas para fazer um verdadeiro examinação de consciência. Mas enquanto isso não acontece, vou seguir de longe o himeneu de Bhagyalekshmi, Dhanalekshimi, Sanoop e Sandeed. Vai me culpar por isso?
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.